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Página:O Mysterio da Estrada de Cintra (1894).pdf/142

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quando por meu pae, quando lhe esgalhava alguma arvore mimosa do quinteiro; abençoado por minha mãe como a esperança dos seus velhos annos; coberto de prophecias de gloria, como o pequeno Marcello da freguezia, pelo reitor, o qual algumas vezes depois de lhe ajudar á missa, aos dez annos de idade, me argumentava na sachristia as declinações latinas. Era escutado este prodigio por um auditorio composto do sachristão e do thesoureiro, que com os chapeus debaixo do braço, coçavam na cabeça e olhavam para mim arregalados e attonitos. A um recanto, minha mãe sorria, com os olhos banhados de ternura, do fundo da caverna formada em redor do seu rosto pela côca de uma ampla e poderosa mantilha de panno preto.

Fiz depois os estudos preparatorios no lyceu da cidade, e vim finalmente matricular-me em Lisboa na escola de medicina.

Vivo pobre, humilde e obscuramente, tenho a minha existencia adstricta a uma pequena mezada, á convivencia de alguns companheiros de estudo e ao trato de duas senhoras velhas e pobres, irmãs de um capitão reformado, antigo aboletado de meu pae, em cuja casa de hospedes eu tenho por modico preço a minha moradia na capital.

A unica luz que atravessava a sombra da minha vida de desterro, de desconsolo e de trabalho, era a lembrança de Therezinha...

Therezinha! a doce, a meiga, a querida companheira, á qual eu consagro principalmente estas paginas, que são o capitulo unico da minha vida que ella não conhece, a confissão sincera, a historia completa do unico erro de que posso accusar-me perante a sua innocencia, a sua bondade, e o seu amor!

Therezinha! adorada flôr escondida entre as estevas dos nossos montes, que ninguem conhece, que ninguem viu, de quem ninguem se occupa, e que no emtanto inundas ineffavelmente a minha mocidade e a minha vida com o sagrado perfume de um amor casto, puro, imperturbavel e calmo como a luz das estrellas.

Se tu as entenderás, minha innocente amiga, estas palavras!

Se me perdoarás, tu, a enfermidade passageira e mysteriosa, cuja historia eu ponho confiadamente nas tuas mãos, pedindo-te, não o balsamo da cura para uma chaga que está fechada para sempre, mas o sorriso da benevolencia e do perdão para a vaga e sobresaltada melancolia do convalescente ajoelhado aos teus pés!