Página:O Mysterio da Estrada de Cintra (1894).pdf/152

Wikisource, a biblioteca livre

talvez as ultimas benevolas que eu tenho de ouvir n’este mundo. Quando souber — porque tem de se saber isto, meu Deus! — o que, desde esta horrorosa noite eu fico sendo perante a justiça e perante a sociedade, diga á sua mãe, á sua irmã, á sua amante, se tem amante, que me não odeiem ellas, ao menos! que eu sou menos criminosa do que lhes hei de parecer, que lhe confessei isto, ao despedir-me de si, entre a vida e a morte. Adeus!... Não lhe dou a mão... Sou indigna da amisade das pessoas de bem. O mais que eu posso pedir, eu, é piedade... Tenha piedade de mim... Adeus!

A carruagem tinha rodado a distancia de alguns passos quando parou outra vez a um gesto da condessa; ella mesma abriu a portinhola, desceu e dirigiu-se a mim. Fui ao seu encontro.

— Quero fallar-lhe ainda, disse ella.

E depois de uma pequena pausa, em que parecia coordenar idéas dispersas, accrescentou:

— Foi talvez providencial o nosso encontro aqui, a esta hora, n’esta rua... É talvez a unica pessoa que Deus quer permittir que me proteja, que seja por mim. Tenho um parente a quem vou escrever immediatamente entregando-lhe este segredo. Receio que elle se não ache em Lisboa. Sendo assim, não sei de quem me confie. Se tiver no seu coração tanta misericordia e tanta bondade que queira valer-me, procure-me em minha casa, ámanhã, ás 11 horas.

E dando-me a sua morada em Lisboa, entrou outra vez no trem que partiu.

Singular commoção a que produziu em mim essa mulher de quem acabava de saber que tinha commetido um crime; sentia-me inclinado a ajoelhar-me aos seus pés dilacerados e adoral-a!

IV

 

No dia seguinte á hora assignada apresentei-me em casa da condessa.

Era um predio de um só andar, simples, branco, todo fechado. Abriu-se-me a porta da rua, appareceu-me um criado vestido de casaca azul com botões brancos, collete