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que deixou aos infelizes esta maxima: «Se a tua dôr te afflige, faze d’ella um poema.» Vá escrever. Faça as suas memorias ou faça o seu testamento, mas escreva, e queime depois. Agora, adeus. Adeus até amanhã, ou quando não, adeus para sempre.

Ella conservava sempre a attitude extatica em que cahira na cadeira de braços. Tinha a bocca entre-aberta, o labio inferior tremia-lhe, com esse tocante gesto infantil que toma a desolação no rosto das mulheres, e grossas lagrimas silenciosas, corriam-lhe em fio pelas faces e gotejavam lentamente nas rendas do vestido. Fez um movimento para se erguer, procurando articular uma palavra d’agradecimento. Profundamente enternecido, dei um passo para traz, inclinei-me com respeito, e sahi.

V

 

Tendo fechado a porta do aposento em que ella ficára, ao passar na sala em que primeiro estivera, occorreu-me de repente uma ideia. Sobre uma das mezas achavam-se dois grandes albuns. Folheei-os rapidamente. Um d’elles encerrava apenas uma serie de apontamentos de viagem tomados por uma só pessoa, segundo se via da uniformidade da letra a lapis e em portuguez. Entre os apontamentos escriptos estavam collados ou pregados nas paginas alguns especimens de plantas e de flôres, e viam-se delineados varios esboços de construcções e de fragmentos architectonicos. Era um album de estudos. O outro continha uma collecção de pensamentos, de maximas, de versos, de desenhos, de aquarellas, firmados por muitos nomes diversos. Eu devorava com os olhos o conteúdo de cada lauda.

Não ousára perguntar á condessa o nome do seu amante. Comprehendia que a bocca d’ella nunca mais poderia pronuncial-o, e não obstante, eu precisava de sabel-o, de ver letra d’elle. Estava certo de que esse nome desconhecido figuraria indubitavelmente entre os que eu estava lendo, que a letra desejada se encontraria no meio dos escriptos que me estavam passando pelos olhos. Como poderia porém adivinhal-o, sem tempo, sem vagar, sem o socego de espirito necessario