Houve então um baile no Hotel de Ville, um d’esses bailes officiaes em que uma multidão de praça publica se acotovella sob os lustres, brutalmente. Tinha eu acabado de dançar uma walsa com um coronel austriaco, quando a viscondessa de L..., que vivia então em Paris, veiu a mim, toda risonha:
— Conheces este nome: miss Shorn?
— Não. Uma americana?
— Uma irlandeza. Uma maravilha, O prefeito dançou com ella; a condessa Waleuska beijou-a na testa, Gustavo Doré prometteu-lhe um desenho. Vae ser apresentada nas Tulherias. No fim, queres que te diga? Acho-a insignificante. Bonitos cabellos, sim. Não se falla n’outra cousa! Mas tu deves conhecel-a...
— Porque?
— Tem dançado com Captain Rytmel, parecem intimos. Tu ris?
— Eu?
— Não... tu riste!
— Nunca rio, senão quando quero chorar, minha querida!
— Tiens, tiens! — murmurou ella, olhando muito para mim.
E affastou-se. O meu pobre coração ficou em desordem. Ás vezes, na nossa alma, toca-se de repente a rebate, e as desconfianças adormecidas, acordam, tomam as suas armas, e fazem sobre nós um fogo cruel.
— Captain Rytmel approximara-se.
— Vem radiante, disse-lhe eu. Quem é miss Shorn?
Elle respondeu gravemente:
— É a amiga intima de minha irmã.
Fomos dançar. Era uma quadrilha. Pareceu-me triste.
Os movimentos da dança lembravam-me as cerimonias d’um culto. O meu ramo ficou espalhado pelo chão. N’esse instante, sem saber porquê, detestei Paris, o ruido, o imperio; desejei as sombras de Cintra, os retiros melancolicos de Bellas, cheios dos murmurios da agua.
Quiz sair. N’uma das ultimas salas uma mulher alta, loira, tomava das mãos d’um velho extremamente magro e distincto a sua sortie de bal.
Captain Rytmel, que me dava o braço, inclinou-se ao passar junto d’ella, e fallando baixo para mim:
— Miss Shorn! disse elle.
Era realmente linda. Grandes cabellos loiros, fortes, luminosos; os olhos largos, intelligentes, serios; um corpo perfeito.