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as elevações moraes não sejam um auxiliar poderoso á sympathia instinctiva; mas o que na realidade nos domina é o exterior de um homem. Que todas as que lerem estas confidencias dolorosas se consultem no silencio do seu coração e digam o que determinou n’ellas a sensação: se foi o caracter ou se foi a physionomia. E as que forem francas dirão que na sua vida influiu talvez mais a côr de um frack, do que a elevação de um espirito.

Sim, digo-o, francamente, d’aqui d’este canto do mundo, em que o ruido das cousas tem o som ôco da tampa de um esquife: os desvarios do coração em nós outras, nada os absolve, quasi nada os explica.

Fui nova; tive, como todas, as minhas horas de tedio assaltadas de chimeras; tive os meus romances intimos, que nasciam, soffriam, morriam entre duas flores do meu bordado. Creei aventuras, dramas apaixonados e fugas dramaticas, aconchegadamente encolhida na minha poltrona, ao canto do fogão.

Conheci mais tarde muitos caracteres femininos e a historia de muitas sensibilidades. Experimentei eu tambem os sobresaltos da paixão — e nunca vi, nunca soube que estas imaginações, que estas attracções nascessem de uma verdade da natureza, da logica das circumstancias, da irreparavel acção do coração. Vi sempre que saíam de um pequeno mundo ephemero, romantico, litterario, ficticio, que habita no cerebro de todas as mulheres.

Vejo-o d’aqui a sorrir... Não se admire de me ver fallar assim. Lembra-se d’aquellas conversações tão intimas e tão sérias na rua de...? Lembra-se do terraço de Clarence-Hotel, em Malta, quando a lua silenciosa cobria o mar? Não se recorda das minhas idéas então e d’aquellas imaginações que eu denominava gloriosamente os meus systemas? Não se lembra que me chammava então philosopho loiro? O philosopho sentiu, chorou, soffreu, teve por isso o melhor estudo. Que maior ensino que as lagrimas? A dôr é uma verdade eterna, que fica, emquanto as theorias passam. Não imagina o que tenho aprendido da vida desde que sou desgraçada! Não imagina quantas idéas rectas e precisas saem das incoherencias do pranto!

Por isso hoje não creio em certas fatalidades, com que as mulheres pretendem esquivar-se á responsabilidade. Não creio no que se chama theatralmente as fatalidades da paixão. A vontade é tudo; é um tão grande principio vital como o sol. Contra ella as fatalidades, as febres, o ideal, quebram-se como bolas de sabão.

Respondem-me chorando: a fatalidade! Mas, meu Deus!