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approximava da dignidade. Nas situações definidas e corajosas ha sempre um lado honesto; o que repugna ao instincto casto são as conciliações hypocritas. A posição que me restava, era ser de Rytmel, só d’elle e para sempre: e eu sentia que elle se ia lentamente affastando de mim como eu me affastava de meu marido.

Era a minha entrada na expiação.

N’estes amores, o castigo não vem só do mundo: elles mesmo conteem os elementos da justiça cruel. O coração é o primeiro castigado pela mesma paixão. A punição da falta contra a honra vem mais tarde pelos juizos dos homens.

Eu estava então diante da maior miseria moral em que se póde encontrar uma mulher n’estas condições lamentaveis.

Eu amava Rytmel, Rytmel queria casar.

Que faria, meu Deus? Iria em nome da minha paixão desviar aquella existencia de homem, da linha natural, simples, humana, que leva ao casamento, á familia, ao dever?

Devia eu impedir que elle casasse? Mas não era isto impedir, abafar a legitima expansão da sua vida? Não era proscrevel-o das fecundas e serenas alegrias da familia, para o ter preso nos asperos, nos estereis sobresaltos de uma paixão romantica?

Tinha eu o direito de sequestrar aquelle homem para uso exclusivo do meu coração, encarceral-o dentro d’uma ligação illegitima e secreta, onde elle se esterilisaria, onde os seus talentos e as suas qualidades se enferrujariam como armas inuteis, e toda a sua acção social se limitaria a seguir o frou-frou dos meus vestidos? Não dava isto ao meu sentimento um aspecto de egoismo animal? Não tirava isto ao meu amor a melhor qualidade: a virtude do sacrificio?

Poderia eu prival-o de ter um dia os filhos, que fossem a continuação do seu ser e a sua immortalidade? Podia eu prival-o em nome do meu ideal de ter na velhice aquella doce e branca companheira, sob cujo olhar pacifico, o homem justo espera, socegado, o nobre momento da morte?

E era só isto?... Póde um espirito sincero acreditar na duração d’estes amores exaltados, feitos de sensibilidades e de martyrios, que não têem o dever por base, e têem a traição por origem? E por dois ou tres annos mais que esta aventura continuaria, tinha eu o direito de ir quebrar o destino da outra, d’ella, pobre rapariga, que o amava,