Página:O Mysterio da Estrada de Cintra (1894).pdf/188

Wikisource, a biblioteca livre

— Sabe que parto hoje? respondeu-me. Ia lá, apertar-lhe a mão.

— Mas é inesperado isso! Vae para França? Para quê?

— Ver os campos de batalha ao luar, ou aos archotes. Deve haver attitudes de mortos muito curiosas.

— Mas vae debalde. Não ha guerra. É positivo. Por isso eu vou para Italia.

— Vae para Italia?... Mas, então... Ah! Vae para Italia? Minha pobre amiga, quem sabe se isso devia ser! Em todo o caso, em qualquer parte, ou feliz, ou triste, para a consolar, ou para fazer um trio com o meu violoncello, sou seu, adesso e sempre.

Apertou-me a mão. Não sei porque, aquellas palavras deram-me uma sensação triste.

Quiz ir ao Aterro. A tarde caía. A agua tinha uma immobilidade luminosa. Do outro lado os montes estavam esbatidos n’um vapor azulado e suave. Sobre o mar havia nuvens inflammadas, d’uma côr fulva, como no fundo d’uma gloria. Algumas velas passavam rosadas, tocadas da luz.

Sentia-me vagamente melancolica. O rio, aquellas casas triviaes, todos aquelles aspectos que eu conhecia, que eram para mim até ahi quasi inexpressivos, appareciam-me pela ultima vez que os via, com uma feição sympathica. Tive uma saudade piegas daquelles logares: quiz sorrir, escarnecer; mas a verdade era que aquella paisagem, o pesado hotel Central, o terraço de Braganza-hotel, a grosseira e escura rua do Arsenal, todas essas cousas alheias a mim, me despertavam inesperadamente o desejo instinctivo de tranquillidade, de familia, de situações pacificas, fazendo destacar no fundo da minha vida, n’um relevo negro, a aventura que eu ia intentar; e apparecendo-me como um ajuntamento de velhos rostos amigos que se despedem, faziam-me pensar nas cousas irreparaveis, no exilio e na morte!

A minha carruagem subia a passo a rua do Alecrim. As luzes accendiam-se. O ceu estava ainda pallido.

Uma senhora passou, só, a pé, levando uma creança pela mão: era uma mulher nova e distincta; parecia feliz. O pequenino, loiro, gordo, ria, palrava n’aquella linguagem mysteriosa e doce, que é o que ficou ainda na voz humana do a b c do ceu.

Como seria bom ser assim uma mulher pacifica, com um equilíbrio suave no coração, uma toilette fresca, o amor das cousas justas, e um filho pela mão! Se eu fosse assim seria alegre, amavel, passearia, daria bonbons ao