Página:O Mysterio da Estrada de Cintra (1894).pdf/191

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E queres que tenha esta base a tua situação na vida? E crês na estabilidade do amor, tu?... Sim, é possivel, emquanto elle viver do imprevisto, do romance e do obstaculo; emquanto necessitar do coupé de stores cerrados; mas logo que entre n’um estado regular, que se estabeleça definidamente para durar, que se organise, que se economise, extingue-se trivialmente; e quando quer conservar-se, tem a miseria de se assimilhar ás chammas pintadas d’um inferno de theatro. E então, desde o momento que o amor desapparecesse, que rasão de ser tinha a tua vida, e que justificação tinha que dar de si o teu incoherente destino? Ficavas sem uma situação definida: tudo te era vedado, ou pela força das leis sociaes, ou pela altivez da tua honra. Recuar para as cousas legitimas, arrepender-te, era impossivel: o arrependimento é um facto catholico, não é um facto social. Continuar e persistir em viver pelo amor era um equivoco hypocrita, e poderias um dia encontrar-te a viver na libertinagem.

Imaginas hoje que o amor é a unica tendencia, a unica preoccupação da tua vida... Não: é apenas idéa dominante na tua natureza. Ha outras exigencias, que hoje não sentes chamarem dentro de ti, porque teem sido plenamente satisfeitas no meio legitimo em que tens vivido; mas quando, mais tarde, estiveres retirada de tudo, fechada no amor como n’uma concha, sentirás então amargamente que te falta o quer que seja que é a sociedade, a opinião, o centro d’amisades, o rang, as consolações incomparaveis que dá a estima dos que nos saudam. E o não encontrar então no mundo o teu logar, elegante, avelludado, agaloado, emplumado e coroado, dar-te-ha a sensação do abandono; e as consolações que então te quizer ministrar o amor pela sociedade que te falta, encontrarão aos teus olhos o mesmo tedio que encontrariam agora as consolações da sociedade pelo amor que te fugisse. Uma mulher que foge com o seu amante, só pode ter um logar no Demi-Monde; ou então um logar equivoco nas salas, quando é celebre por um talento ou por uma arte. Ora tu não quererás ir para a Italia frequentar, em Napoles, Madame de Salmé, nem quererás cantar n’um theatro, nem commetter a inconveniencia de escrever um livro. A viver modesta, tens de viver triste; a viver radiante, tens de viver humilhada. E pensas que pódes, por um anno sequer, viver na intimidade absoluta e no segredo?

O segredo, o refugio, um ninho perfumado n’um quinto andar, são cousas extremamente doces, no meio da sociedade e das relações do mundo; a publicidade official da