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O mascarado alto dispunha-se a partir para Londres quando tivemos noticia da publicação das cartas do doutor n’este periodico. A condessa declarou que se entregaria á policia, se não levantassemos na imprensa as suspeitas formuladas na carta de Z... ácerca da probidade do medico, e se F... se não desdissesse categoricamente das injurias que nos dirigira na carta imtempestivamente mandada ao dr... por intermedio de Friedlann. A condessa auctorisava-nos a tornarmos publica a sua historia, dizendo que tinha deixado para sempre de pertencer ao mundo, para o qual a biographia que ella lhe legava seria talvez um exemplo proficuo.

Foi então, sr. redactor, que determinámos referir-lhe todos os pormenores d’este doloroso acontecimento, occultando ou substituindo os nomes das pessoas que tiveram parte n’elle, e deixando á sociedade a faculdade de as descobrir e o direito de condemnal-as ou absolvel-as.

A condessa resolveu em seguida entrar em um convento, que ella mesma escolheu depois de miudas indagações. O mascarado alto acompanhou-a e eu segui-o a uma villa da provincia do Minho, onde existe ainda, regido com todo o rigor ascetico do estatuto, um velho convento de carmelitas descalças, habitado por cinco ou seis religiosas. Estas mulheres decrepitas vivem como d’antes na pobreza de que fizeram voto, mantendo a oração, a penitencia e o jejum com a mesma exaltação mystica, com o mesmo fervor catholico dos primeiros annos das suas nupcias com o divino esposo. Trazem os pés nus e o corpo constantemente envolto na aspereza estreme do burel. Não usam roupas de linho nem algodão. Em nenhum dia do anno se permittem carne ás suas refeições. Comem juntas no antigo refeitorio, havendo sempre uma que revesadamente se prostra á entrada da sala, segundo o primitivo uso da ordem, para que as outras lhe passem por cima ao entrar e ao sair da mesa. Não têem patrimonio de nenhuma especie, nem outro algum rendimento que não seja o producto dos trabalhos que fazem. Furtadas a toda a convivencia externa, vivem na clausura mais estreita e na miseria extrema. Ninguem no mundo tornou a ver as moradoras d’aquella casa desde que entraram n’ella. As que morrem são enterradas pelas outras no claustro e cobertas com uma pedra lisa, sem nome e sem data, Não ha distico nem outro signal que difference as que deixam de existir. A morte para todas ellas começa no momento em que transpõem o limiar da portaria. Dentro tudo é sepulchro. A morte é simplesmente a mudança de cubiculo.