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Ergui o papel, li:

I declare that I have killed myself with opium.

(Declaro que me matei com opio).

Fiquei petrificado.

O mascarado dizia com a voz absorta como n’um sonho:

— Não é possivel. Mas é a lettra dele, é! Ah! que mysterio, que mysterio!

Vinha a amanhecer.

Sinto-me fatigado de escrever. Quero aclarar as minhas recordações. Até ámanhã.

VI

 

Peço-lhe agora toda a sua attenção para o que tenho de contar-lhe.

A madrugada vinha. Sentiam-se já os ruidos da povoação que desperta. A rua não era macadamizada, porque eu sentia o rodar dos carros sobre a calçada. Tambem não era uma rua larga, porque o echo das carroças era profundo, cheio e proximo. Ouvia pregões. Não sentia carruagens.

O mascarado tinha ficado n’uma prostração extrema, sentado, immovel, com a cabeça apoiada nas mãos.

O homem que tinha dito chamar-se A. M. C. estava encostado no sofá, com os olhos cerrados, como adormecido.

Eu abri as portas da janella: era dia. Os transparentes e as persianas estavam corridos. Os vidros eram foscos como os dos globos dos candieiros. Entrava uma luz lugubre, esverdeada.

— Meu amigo, disse eu ao mascarado, é dia. Coragem! é necessario fazer o exame do quarto, movel por movel.

Elle ergueu-se e correu o reposteiro do fundo. Vi uma alcova, com uma cama, e á cabeceira uma pequena mesa redonda, coberta com um panno de velludo verde. A cama não estava desmanchada, cobria-a um edredon de setim encarnado. Tinha um só travesseiro largo, alto e fôfo, como se não usam em Portugal; sobre a mesa estava um cofre vasio e uma jarra com flores murchas. Havia um lavatorio, escovas, sabonetes, esponjas, toalhas dobradas e