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que se interessava na perfeição com que a fabricassem, que tinha os dedos humidos, deixando no papel um vestigio tão claro...

O mascarado calava-se.

— E um ramo de flôres murchas, que está ali dentro? um ramo que examinei e que é formado por algumas rosas, presas com uma fita de veludo? A fita está impregnada do perfume da pomada, e descobre-se-lhe um pequeno vinco, como o de uma unhada profunda, terminando em cada extremidade por um buraquinho... É o vestigio flagrante que deixou no veludo um gancho de segurar o cabello!

— Esse ramo podiam ter-lh’o dado, podia tel-o trazido elle mesmo de fóra.

— E este lenço que encontrei hontem debaixo de uma cadeira?

E atirei o lenço para cima da mesa. O mascarado pegou n’elle avidamente, examinou-o e guardou-o.

M. C. olhava pasmado para mim, e parecia aniquillado pela dura logica das minhas palavras. O mascarado ficou por alguns momentos silencioso; depois com voz humilde, quasi supplicante:

— Doutor, doutor, por amor de Deus! esses indicios não provam. Este lenço, de mulher indubitavelmente, estou convencido que é o mesmo que o morto trazia no bolso. É verdade: não se lembra que não lhe encontrámos lenço?

— E não se lembra tambem que não lhe encontrámos gravata?

O mascarado calou-se succumbido.

— No fim de contas eu não sou aqui juiz, nem parte, exclamei eu. Deploro vivamente esta morte, e fallo n’isto unicamente pelo pezar e pelo horror que ella me inspira. Que este moço se matasse ou que fosse morto, que caisse ás mãos de uma mulher ou ás mãos de um homem, importa-me pouco. O que devo dizer-lhe é que o cadáver não póde ficar por muito mais tempo insepulto: é preciso que o enterrem hoje. Mais nada. É dia. O que desejo é sair.

— Tem razão, vae sair já, cortou o mascarado.

E em seguida, tomando M. C. pelo braço, disse-me:

— Um momento! Eu volto já!

E sairam ambos pela porta que communicava com o interior da casa, fechando-a á chave pelo outro lado.

Fiquei só, passeando agitadamente.

A luz do dia tinha feito surgir no meu espírito uma multidão de pensamentos inteiramente novos e diversos d’aqueles que me haviam occupado durante a noite. Ha pensamentos que não vivem senão no silencio e na sombra, pensamentos