Página:O Mysterio da Estrada de Cintra (1894).pdf/47

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assumpto d’estas cartas está por sua natureza fóra da alçada das pesquizas policiaes. Nunca me dirigi ás authoridades, quiz simplesmente valer-me do publico, escolhendo para isso as columnas populares do seu periodico. Resolvi homiziar-me, receando ser victima de uma emboscada.

São obvias, depois d’isto, as rasões por que lhe occulto o meu nome: assignar estas linhas seria patentear-me; não seria esconder-me, como quero.

Do meu impenetravel retiro lhe dirijo esta carta. É manhã. Vejo a luz do sol nascente atravez das minhas jelozias. Oiço os pregões dos vendedores matinaes, os chocalhos das vaccas, o rodar das carruagens, o murmurio alegre da povoação que se levanta depois de um somno despreoccupado e feliz... Invejo aquelles que não tendo a fatalidade de secretas aventuras passeiam, conversam, moirejam na rua. Eu — pobre de mim! — estou encarcerado por um mysterio, guardado por um segredo!

P. S. Acabo de receber uma longa carta de F. Esta carta, escripta ha dias, só hoje me veiu á mão. Sendo-me enviada pelo correio, e tendo-me eu ausentado da casa em que vivia sem dizer para onde me mudava, só agora pude haver essa interessante missiva. Ahi tem, senhor redactor, copiada por mim, a primeira parte d’essa carta, da qual depois de ámanhã lhe enviarei o resto. Publique-a, se quiser. É mais do que um importante esclarecimento n’este obscuro successo; é um vestigio luminoso e profundo. F... é um escriptor publico, e descobrir pelo estylo um homem é muito mais facil do que reconstruir sobre um cabello a figura de uma mulher. É gravissima a situação do meu amigo. Eu, afflicto, cuidadoso, hesitante, perplexo, não sabendo o que faça, não podendo deliberar pela reflexão, rendo-me á decisão do acaso, e elimino, juntamente com a letra do autographo, as duas palavras que constituem o nome que firma essa longa carta. Não posso, não devo, não me atrevo, não ouso dizer mais. Poupem-me a uma derradeira declaração, que me repugna. Adivinhem... se poderem. Adeus!