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a essa casa desconhecida, tendo uma chave d’ella, martello e pregos. Não sei porque se declarou auctor do assassinato, negando-o depois. Ignoro a intima verdade d’estas contradicções.

Mas o que sei, aquillo de que posso já dar testemunho, e não só eu, mas amigos, mas numerosas pessoas, é que na noite que se mostra ter sido a do assassinato elle esteve, até quasi de madrugada, em minha casa, conversando, rindo, bebendo cerveja.

Saiu talvez ás tres horas da noite.

Declaro tambem, e isto póde ser egualmente apoiado por seguras testemunhas: que ás nove horas da manhã do dia seguinte estive no quarto d’elle. Ainda dormia, acordou sobresaltado á minha voz, e tornou a adormecer em quanto eu procurava entre os seus livros um volume de Taine.

As donas da casa que o hospedam disseram-me que elle entrara pela madrugada.

— Ali pela volta das tres e meia, conjecturavam ellas.

Ora da minha casa, d’onde saiu ás tres, até casa d’elle, onde entrou ás tres e meia, o caminho que é longo, occupa justamente este espaço de tempo.

Por consequencia, respondam: quando commetteu elle o crime? O emprego do seu tempo está todo justificado: das nove da noite até á madrugada em minha casa, n’uma conversa jovial e intima; da madrugada até ás nove, n’um somno pacifico em sua propria casa.

Resta unicamente a meia hora do caminho, da qual não ha testemunhas. É crivel que em meia hora podesse ir alguem a essa casa, preparar opio, fazel-o beber a um homem, falsificar uma declaração e vir socegadamente dormir? Tem isto logica?

Demais o crime foi commettido n’uma casa, o opio foi deitado n’um copo d’agua, dado traiçoeiramente. O cadaver estava meio despido. Tudo isto indica que entre o assassino e o desgraçado houve uma entrevista, tinham conversado intimamente, tinham rido decerto; o que depois morreu tinha talvez calor, poz-se livremente, tirou o casaco, contaram porventura anedoctas, e n’um momento de sede, o opio foi dado n’um copo d’agua. E tudo isto se faz em meia hora! em meia hora! Devendo, meus senhores, descontar-se d’esta meia hora o tempo que vae de minha casa á casa do crime, e d’ahi a casa de A. M. C.! Póde isto ser?

Agora outro argumento: Eu conheço A. M. C.: o seu caracter é digno, impeccavel; o seu coração é compassivo e simples; a sua vida é laboriosa e isolada; não existe