Página:O Mysterio da Estrada de Cintra (1894).pdf/52

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n’ella nem mysterio, nem aventura, nem pathetico: estava para casar, sem romance, trivialmente.

Eu sabia de todos os seus passos, conhecia as suas relações. Estou certo que nunca viu o assassinado, o qual, no dizer do doutor, parecia extrangeiro, sem relações aqui, e domiciliado ha pouco tempo em Portugal!

Poderia ser um encontro casual, uma rixa inesperada? Impossivel. Se o homem foi encontrado estendido n’um sophá, morto com opio!

Poderia M. C. ter sido assalariado para commetter este crime? Que loucura! Um homem da sua intelligencia, do seu caracter, da sua elevação de espírito! Além de que, hoje o emprego de homicida, regular e devidamente retribuido como uma funcção publica, não existe nos costumes.

Póde-se conceber que um homem que premedita um crime esteja até ao momento decisivo distrahido, espirituoso, desabotoando os seus paradoxos, bebendo cerveja? E que depois vá socegadamente dormir, e que um amigo que o visite na manhã seguinte encontre sobre a sua banca de cabeceira, uma chavena de chá e um livro de historia?

E dê-se isto com um homem de caracter timido, de habitos modestos, homem de estudo, sem energia de acção, e de uma notavel franqueza de impressões!

Se me perguntarem, porém, porque apparece M. C. de noite n’aquella casa com um martello, com pregos, e se declara assassino, — isso não o sei explicar.

Suspeito que haja uma grande influencia que peza sobre elle, alguem que com promessas extraordinarias, com seducções indisiveis, o obriga a apresentar-se como auctor do crime. M. C. evidentemente sacrifica-se. Por quem, ignoro-o. Mas sacrifica-se, e na ignorancia de que estas dedicações são sempre desapreciadas perante o trabalho da policia, quer expiar o crime de outro; perde-se para salvar alguem.

Com que interesse? por que seducções? Não sei explicar. Elle, tão indifferente ao dinheiro! tão rigido de costumes e de sensações!

Pois bem! M. C. póde sacrificar-se; póde-o fazer. Nós, seus amigos, é que não podemos consentil-o. O seu corpo, que lhe pertence exclusivamente, póde dal-o á infecção d’um carcere, ou ao peso d’uma grilheta. Mas o seu caracter, a sua honra, a sua reputação, a sua alma, essa pertence tambem aos seus amigos, e a parte que nos pertence havemos de defendel-a corajosamente.

Não! M. C. não foi o assassino. Dil-o a evidencia, a fatal logica dos factos, a terrivel mathematica do tempo, o