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Este individuo era o mesmo que na carruagem se conservára sempre calado, o mesmo que na sala me observava com attenção e desconfiança.

Aquella estatura, aquella falla, aquella voz, posto que apenas perceptivel ao meu ouvido, não eram novas para mim.

Elle respondeu fallando-me ainda mais baixo:

— Não poderá sair d’aqui antes de dois ou tres dias. Veja se precisa de escrever uma carta ou de mandar um recado.

Passou-me pela mente uma idéa a respeito d’aquelle homem... Se fosse...

Occorreu-me que teria um meio de desenganar-me se era effectivamente ou se não era um amigo intimo que eu tinha ao meu lado: arrancar-lhe o relogio; bastar-me-hia apalpal-o, ainda vendado como eu estava, para reconhecer o dono. A ser o individuo que eu suppunha, a caixa do relogio teria a lisura do esmalte e no centro a saliencia de um brasão.

— Escreverei duas linhas, disse eu; quererá dar-me um lapis?

Tinhamos chegado ao quarto que me era destinado e eu desvendei-me ao tempo em que elle saia promettendo trazer-me o necessario para escrever. O individuo que voltou com papel e pennas não era o mesmo que acabara de sair. Assim tinha eu perdido a occasião de confirmar uma suspeita ou de desvanecer uma duvida.

Em todo o caso escrevi duas linhas ao meu creado serenando-o com relação ao meu desapparecimento.

— Mais nada? interrogou o desconhecido tomando o meu bilhete.

— Nada mais.

Um sentimento de delicadeza e uma sombra de desconfiança impediam-me de escrever directamente á pessoa a quem o mascarado se referira.

Fecharam a porta e fiquei só.

Achei-me n’um quarto de interior, bastante espaçoso, mas sem janella. A um lado havia um lavatorio; sobrepostas a um canto tres malas de viagem, de coiro de Varsovia com pregos d’aço, estrelladas com senhas de caminhos de ferro, d’hoteis e de paquetes; a que estava por cima das outras tinha em grandes lettras pretas sobre uma tira de papel este distico: Grand-Hotel-Paris; uma das senhas era dos paquetes inglezes da carreira da India. Para outro lado do quarto havia uma cama. Completava a simples guarnição d’este aposento um sophá forrado de marroquim verde, collocado no meio da casa defronte de uma ampla mesa em que estava posta a minha ceia á luz fulgurante de um grande candeeiro com largo abat-jour.