Página:O Mysterio da Estrada de Cintra (1894).pdf/61

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deitados, pairando tão rente das camas que se lhe sentia o estremecer das pennas, o calor de lume que elle deitava do bico e ao mesmo tempo o frio de neve que fazia a mover as azas!

— Ora adeus! tinham ouvido fallar n’isso e pareceu-lhes que sentiam o tal passaro, de que já fallavam os inquilinos anteriores, os quaes tambem tinham ouvido fallar n’elle, não havendo ao fim de contas ninguem que verdadeiramente o tivesse ouvido.

— Então o senhor não sabe porque foi que elles fugiram, os ultimos que estiveram cá, faz agora quatro annos?

— Ouvi fallar n’isso, mas por alto, não me deram pormenores.

— Eis ahi está porque o senhor não acredita! A coisa foi esta: Elles eram gente pobre mas honrada: marido, mulher e uma filha de seis annos. Para o que désse e viesse dormiam todos juntos na mesma sala. A pequenita a quem elles não contavam nada por causa do medo, estava n’uma caminha a um lado. Dormiam com luz na lamparina, e como trabalhavam muito de dia e estavam cansadissimos á noite, lá pegavam no somno apesar do barulho das faúlas do fogareiro e das argoladas nas portas. Vae senão quando, á segunda noite que passavam cá, accordam aos gritos da creança. Tinha-se apagado a luz. Accenderam-na a toda a pressa. A porta do quarto estava fechada por dentro. Os fechos das janellas achavam-se corridos. No quarto não havia mais ninguem. Mas a roupa da cama da creança estava cahida a dois ou tres passos de distancia do berço em que ella dormia, e a pequenita, nua, tranzida de medo, branca como o travesseiro e tremendo como varas verdes, disse, quando lhe chegou a falla que teve perdida por um bocado, que sentira umas cousas como os pés de uma gallinha muito grande que se lhe pousavam na cama; que se achara depois descoberta e ouvira umas coisas suspiradas envoltas em soluços e beijos, mimos que mettiam medo e que ella não entendia, emquanto um peito coberto de pennas se lhe roçava pelo seio nu. A mãe então vestiu-lhe á pressa uns fatinhos, embrulhou-a n’um chale, estreitou-a nos braços, poz-se a dar-lhe beijos e acalental-a com o bafo, e saiu para a rua aterrada e como doida. O homem, que era valente e destemido, correu a casa toda com luz e sem luz, mettendo-se por todos os cantos e recantos, rangendo os dentes e picando as paredes enfurecido com uma faca de ponta que levava em punho. Não appareceu ninguem! Ninguem podia ter saido! Ninguem podia ter entrado! No dia seguinte foi levar a