chave do predio ao senhorio, dizendo-lhe que se algum dia tivesse dinheiro lhe compraria esta casa para elle mesmo a deitar abaixo com um picão e a machado, para lançar o fogo a quanto podesse arder, e calcar depois aos pés e salgar o monte de cinzas que ficasse no chão.
— Pois senhor, eu nenhuma d’essas cousas tenho ouvido, e é esta a segunda noite que durmo aqui.
— Gabo-lhe o gosto! E não tem medo?
— Nenhum.
— Por isso por ahi dizem do senhor o que dizem!
— Então que dizem por ahi de mim?
— Dizem, com o devido respeito, que o senhor é um allemão da Moirama e que tem partes com o demonio.
— Mais um bocadinho para traz, que eu o ajudo! exclamou o estrangeiro, mudando de tom.
— Isto assim?
— Ainda mais... um quasi nada... até ficar a cabeceira unida á hombreira da porta... Basta!
— Não quer mais nada?
— Mais nada. Aqui tem a sua libra e leve d’ali uma d’aquellas velas para que o avejão lhe não appareça na escada ao apanhal-o ás escuras.
— Não o diga a rir, que eu pela minha parte não me rio! o senhor gosta...
— A fallar-lhe a verdade gosto!
— Seu proveito! Olhe lá: quando se aborrecer com as almas que andam cá, veja se passa ahi para a casa que fica ao lado!
— Bem me queria a mim parecer que a casa do lado tambem tem...
— Se tem! Essa então é o diabo, é o proprio diabo que lá mora!
O homem que viera ajudar á mudança da cama accendeu a luz e desceu a escada. O allemão ficou só, fechou a porta e principiou a despir-se para se deitar.
O dialogo que eu acabava de ouvir tinha-me impressionado singularmente e despertado em mim o mais curioso interesse.
Sem procurar directamente indagar cousa alguma, começava a entrar pelo modo mais extranho no conhecimento de factos que, posto que deturpados pela superstição ou pela ignorancia, explicariam de certo o desfecho a que viemos assistir e a presença do cadaver na sala em que o fomos encontrar.
Agora nós, meu interessante e precioso visinho.