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Todas estas cousas eram asseveradas pelo prussiano com a emphase da sinceridade e da convicção mais profunda!

— E d’esta casa de cá, observei-lhe eu, que tem ouvido? o que sabe? que lhe consta?

— Eu lhe digo...

— Sinceramente!

— Por mim pessoalmente nada tenho ouvido. O inquilino que me precedeu conta que ouvia no silencio da noite um rumor confuso de vozes, o estalar de risadas e o telintar de dinheiro. Alguns visinhos têem visto entrar vultos mysteriosos. Tudo isto porém se explica do modo mais natural d’este mundo.

— Qual é então o seu juizo, vejamos?

— É evidentemente...

— Diga! diga!

— Presumo eu, pelo menos...

— Vamos! sem rodeios, francamente!

— De duas uma: ou uma loja maçonica, ou uma casa de jogo.

IV

 

As palavras do allemão acabavam de lançar no meu espírito a luz subita de uma revelação que me obrigava a meditar.

O que se passava por mim, o mysterio que me cercava, o cadaver que vira, a presumpção — ainda que vaga — da concorrencia de um ou mais amigos meus envolvidos n’este acontecimento, tudo isto era tão extraordinario e tão grave que eu não ousava referil-o ao homem desconhecido que o acaso me deparava por visinho.

Era já positivo para mim que me achava em Lisboa. Desejava naturalmente saber qual era a rua e a casa em que estava; não me occorria porém um pretexto plausivel para levar o allemão a dizer-m’o, sem que eu o interrogasse de um modo ambiguo, que poderia levantar sobre a situação em que me acho suspeitas talvez perigosas para a segurança das pessoas compromettidas n’este negocio. Contentei-me pois em allegar o incommodo a que me obrigava a posição em que estava, e dei as bôas noites ao meu visinho. Elle despediu-se batendo no muro tres pancadas