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aquella doce creatura. Disse-lh’o até; ella riu, eu ri tambem; apertámo-nos gravemente a mão; jogámos n’essa noite o écarté; e ella terminou por fazer n’uma folha de papel a minha caricatura. Desde então fomos amigos; nunca mais reparei que ella fosse linda; achava-a um digno rapaz, e estava contente. Contava-lhe os meus amores, as minhas dividas, as minhas tristezas: ella sabia ouvir tudo, tinha sempre a palavra precisa e definitiva, o encanto consolador. Depois, tambem, ella contava-me os seus estados de espírito nervosos, ou melancolicos.

— Estou hoje com os meus blue decils, dizia ella.

Faziamos então chá, fallavamos baixo ao fogão. Ella não era feliz com o marido. Era um homem frio, trivial e libertino; o seu pensamento era estreito, a sua coragem preguiçosa, a sua dignidade desabotoada. Tinha amantes vulgares e grosseiras, fumava impiedosamente cachimbo, cuspia o seu tanto no chão, tinha pouca orthographia. Mas os seus defeitos não eram excepcionaes, nem destacavam. Lord Grenley dizia d’elle admirado:

— Que homem! não tem espírito, não tem mão de redea, não tem ar, não tem grammatica, não tem toilette, e todavia não é desagradavel.

Mas a natureza fina, aristocratica, da condessa, tinha occultas repugnancias, com a presença d’esta pessoa trivial e monotona. Elle no emtanto estimava-a, dava-lhe joias, trazia-lhe ás vezes um ramo de flores, mas tudo isso fazia indifferentemente, como guiava o seu dog-cart.

O conde tinha por mim um enthusiasmo singular: achava-me o mais sympathico, o mais intelligente, o mais bravo; pendurava-se orgulhosamente do meu braço, citava-me, contava as minhas audacias, imitava as minhas gravatas.

Em tempo a condessa começou a descorar e a emagrecer. Os medicos aconselhavam uma viagem a Nice, a Cadix, a Napoles, a uma cidade do Mediterraneo. Um amigo da casa que voltava da India, onde tinha sido secretario geral, fallou com grande admiração de Malta. O paquete da India havia soffrido um transtorno; elle tinha estado retido cinco dias em Malta, e adorava as suas ruas, a belleza da pequena enseada, o aspecto heroico dos palacios, e a animação petulante das maltezas de grandes olhos arabes...

— Queres tu ir a Malta? disse uma noite o conde a sua mulher.

— Vou a toda a parte; mas, não sei porquê, sympathiso com Malta. Vamos a Malta. Venha tambem, primo.

— Está claro que vem! gritou o conde.