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e o tigre veiu cair, com um rugido, diante dos caçadores, no meio da clareira, estacado, e immovel.

Era muito comprido, de pernas curtas e espessas, a cabeça ossea, os olhos fulvos, ferozes, n’um movimento perpetuo e convulsivo; e a lingua vermelha como sangue coalhado, pendia-lhe fóra da bocca.

Um momento o tigre arrastou-se, batendo os ilhaes com a cauda. Depois com um gemido profundo, saltou. Mas os cães, arremessando-se, tinham-no prendido no ar, pelas orelhas, pela pelle espessa do pescoço, pelas pernas, vestindo-o de mordeduras, rasgando-o, rugindo, cobrindo-o todo. Alguns ficaram logo despedaçados.

E no instante em que a fera tendo cuspido todos os cães, ficou só, magnifico, e de cabeça alta o brahmane fez um signal. Duas balas partiram. O tigre rugiu, rolou-se freneticamente no chão. Estava ferido. Immediatamente ergueu-se, arremessou-se sobre os homens. Todos tinham o tridente e os punhaes enristados, o ventre da fera veio rasgar-se nas laminas agudas. Prendera porém um malaio entre as garras, e rasgava-lhe o peito. Á uma todos enterravam as facas no corpo do animal, e elle, succumbindo sob o peso, sob as feridas, varado por uma bala, debatia-se ainda ferozmente, esmigalhando na agonia os membros do pobre malaio.

— Nada de bala! nada de bala! gritava o brahmane.

Eu estava fascinado. Carmen convulsivamente apertada a mim, com os olhos chammejantes, vibrando por todo o corpo, dava gritos surdos d’excitação. O tigre ficara estendido, escorrendo sangue. Eu devorava-o com a vista, seguia-lhe a mais pequena contracção dos musculos. Vi-o arquear-se de repente, e com um pulo vertiginoso arremessar-se sobre mim e sobre Carmen. Com uma determinação subita, disparei um tiro do meu rewolver no ouvido do cavallo que montavamos. O animal caiu sobre os joelhos, nós rolámos no chão. O tigre levava um pulo elevado, roçou pelas nossas cabeças, foi cair a distancia, revolvendo-se na terra. Ergui-me, arrojei-me a elle, cravando-lhe o punhal entre as patas dianteiras com um movimento rapido, que lhe foi ao coração. O tigre ficou morto. Abaixei-me, e com uma faca malaia em fórma de serra cortei-lhe uma pata, e apresentei-a a Carmen.

— Hurrah! gritaram todos, e o echo d’este grito estendeu-se pela floresta.

Carmen tinha-se approximado do tigre morto, acariciava-lhe a pelle aveludada, tocava-lhe com as pontas dos dedos no sangue que escorria.