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O reino de Kiato
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aquelle ser havia percorrido o cyclo de sua evolução na terra e agora entrava no grande nada de onde viera? Tinham todos as feições calmas, como espectadores de uma scena naturalissima. A imprensa noticiou a morte do centenario como si fosse a sahida de um navio, sem dar pezames á familia, nem fez necrologio... Achei exquisita essa falta de consideração aos que partem para o desconhecido. Acostumado, nos outros paizes, especialmente nos de origem latina, a ler na imprensa lamuriantes nenias, a descripção do enterro, a riqueza do caixão, o numero de corôas com as suas inscripções, cada qual mais fementida, o acto da inhumação, os discursos á beira da cova e por cumulo de reportagem o nome de todas as pessoas que acompanhavam o defuncto, aquella sobriedade de homenagens pareceu-me falta de respeito ao morto.

Julguei que o preito de saudade á memoria do extincto fosse prestado na visita de cova. Enganei-me. Em Kiato, todos os cultos eram permittidos, mas não havia fervor religioso em nenhum. O povo preoccupava-se apenas com a saude do corpo e a hygiene do espirito, cumprindo religiosamente o decalogo. A’s praticas religiosas eram indifferentes, tanto que os officios divinos eram poucos frequentados..

A visita de cova constou de uma missa rezada sem eça e sem encommendação. As eças que, no tempo da decadencia, haviam deslumbrado aquella sociedade corrompida, levando o exagero do luxo até na morte, haviam desapparecido por completo. Que usança ridicula a do catafalco erguido no centro do templo, encimado por um feretro de papelão, coberto de veludo e ouro, cercado de centenas de tochas que ardem, espalhando naquelle ambiente funebre um cheiro de morte, e de cera branca fumegando!...