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Rodolpho Theophilo

rei, allucinado, em completo delirio, na sala de armas, quando a filha amada passou. Em sua allucinação, confundia-a com a amasia. Armou-se de uma pistola, sahiu-lhe na pista e pouco adeante matou-a, ecoando a detonação pelas dependencias do palacio. Em breve, o cadaver foi cercado pela familia, famulos e soldados.

Pantaleão, fóra de si, voltou á sala de armas, sentou-se, e o seu espirito ficou em completa anesthesia até o dia seguinte. Procurando-o, encontrou-o a rainha ainda com a arma homicida na mão, de todo estupidificado. Julgou que o seu pranto, a sua angustia, manifestada em fundos ais, em lamentações dolentes, acordassem aquella alma, chamassem-na á realidade da vida, mas illudiu-se. Em seu delirio, Pantaleão nada ouvia, nada comprehendia. Era um homem physicamente morto.

Acordou pela manhã. O estado agudo havia desapparecido, mas ficára-lhe, numa baralhada de pensamentos, lembrança muito vaga do crime, uma sombra meio esmaecida, que a memoria no seu embotamento deixava de avivar.

Ergueu-se o rei do leito, ainda cambaleante, vestido como o haviam deitado, e procurou os aposentos da rainha. O encontro foi um lance penoso. Elle ouvia, meio aparvalhado, as recriminações da mulher, que torturada por aquella grande magua; relatava o desgraçado acontecimento, condemnando-o com toda a crueldade de um coração de mãe profundamente golpeado. Atordoado a principio, foi despertando, sentindo a consciencia renascer, pondo-se em mais estreitas relações com o meio, percebendo melhor as imagens que lhe acudiam ao cerebro, até que a visão do crime se fez mais nitida e a lembrança do tragico acontecimento mais viva.