Página:O cabelleira - historia pernambucana (1876).djvu/272

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Tinha a pelle grudada nos ossos, e seu corpo apresentava angulos e rectas de dureza esculptural.

O cavallo não tinha melhor parecer do que seu senhor. Era uma armação ossea, informe, pesada, cadaverica e triste.

Trazia o velho tão cahida a cabeça para diante, que quasi chegava com o queixo recurvado ao cabeçote da cangalha. O cavallo, parecendo ceder à mesma lei que o cavalleiro, por vezes varria com os beiços coriaceos o pó do caminho. Essa lei era a lei da fome.

« Este velho, pensou o Cabelleira, traz pelo menos farinha nos caçuaes. Vou tomar-lh’a para mim, e si elle não quizer entregar-me a sua carga, corto-lhe a garganta. »

Empunhou o pedaço da faca, unica arma que lhe restava do terrivel cangaço de outr’ora, e quando o velho confrontou com elle, saltou-lhe ao cabresto do cavallo. Este parou de muito boa vontade, emquanto seu dono, sem se mostrar aterrado nem sobresaltado, disse ao bandido:

— Guarde-o Deus, meu senhor, — saudação que até bem pouco tempo se ouvia no sertão.

Quando estava para fazer a terrivel intimação, sentiu o Cabelleira faltar-lhe força para suster o cabresto, tremeram-lhe as pernas, vacillaram-lhe os pés. Seus olhos tinham