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O CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA.
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os eruditos Diogo Affonso de Mangaancha, Vasco Fernandes de Lucena, Achilles Estaço, e outros muitos amadores bibliophilos. Cuidava-se em comprar livros impressos, por meio das Feitorias portuguezas, mas os manuscriptos sobre tudo os da litteratura medieval perdiam-se com a mais censuravel incuria. Sabe-se por uma carta de João Rodrigues de Sá dirigida a Damião de Goes, que el-rei D. Affonso V mandou vir de Italia Frei Justo, a quem fez bispo de Ceuta, com o fim de escrever em latim a historia dos antigos reis de Portugal, e que todos os documentos que lhe foram entregues se perderam na sua mão, por ter repentinamente fallecido da peste. É natural que estes subsidios historicos constassem tambem de varios cancioneiros, por que a poesia fôra um facto importante nas côrtes de D. Affonso III, D. Diniz e D. Affonso IV; alem d'isso o espolio d'este bispo italiano seria arrecadado pela auctoridade ecclesiastica e remettido para Roma. Por todos estes factos parece justificar-se a hypothese de existir na bibliotheca do Vaticano, antes do saque de Roma em 1527, um d'esses cancioneiros portuguezes, e que d'aí se dispersaram por essa causa: "A bibliotheca do Vaticano, tão liberalmente enriquecida por Leão X, foi saqueada; os livros mais preciosos foram preza de um furor ignorante e barbaro, como os da bibliotheca dos Medicis em Florença."[1] Pelo codice 4803, publicado por Monaci, se vê que este Cancioneiro foi copiado de um outro cancioneiro ja bastante truncado, como observou o critico editor pelas siglas antigas: "Manca da fol. II infino a fol. 43"; e na pagina 10: "Fol. 97 desunt multa"; e pela ultima pagina, na qual se vê que ficou interrompida a copia.

Alem d'esta deducção, tira-se uma outra, isto é, que o Codice 4803 foi comparado por Colocci com um outro mais rico e completo do qual só resta agora o catalogo dos trovadores. Os biographos de Colocci tambem consignam o facto de parte da sua opulenta bibliotheca ter sido destruida no saque de Roma, em 1527. Este philologo italiano possuia um decidido gosto pela poesia vulgar italiana, e conhecia a importancia do estudo das litteraturas novolatinas, como se vê pelo interesse com que procurava as Canções de Foulques de Marseille, e pela posse de varios codices com os titulos Libro spagnolo di Romanze, e De varie Romanze volgare, por ventura alguns d'elles provenientes da acquisição de manuscriptos das collecções de Bembo e de Orsini; seria algum d'estes livros o Cancioneiro da Vaticana, ou esse outro cancioneiro de que apenas resta o catalogo dos auctores. N'este catalogo precioso descoberto por Monaci, sob o numero 44 — Bonifaz de Jenoa segue-se esta referencia a manuscriptos de Bembo: "vide bembo Ms. bonifazio Calvo de Genoa." E sob o numero 456 — il Rey don Affonso de Leon, segue-se esta nota: "bembo, dice di Ragona, figlio di Berenghieri." A variante do Codice de Bembo di Ragona seria d'Aragone em vez de Leon, isto é, um dos codices parciaes


  1. Ginguené, Hist. litt, t. IV, p. 41.