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TH. BRAGA

4°. Por ultimo organisar um vasto quadro da historia litteraria de Portugal no periodo dos nossos trovadores, deduzido dos abundantes factos historicos que fornece o Cancioneiro da Vaticana.

É para isto que existem as Academias nos paizes civilisados, que os governos as subsidiam, e que os seus membros têm o fôro de sabios. Em quanto a Academia real das Sciencias de Lisboa não cumpre este seu dever, cumpre-nos dar uma noticia d’este Cancioneiro, longos seculos perdido pelas bibliothecas estrangeiras.

N’este codice se encontram as nossas origens litterarias, e as relações intimas que filiam a litteratura portugueza no grupo das litteraturas romanicas da edade media da Europa; aqui se acham representadas as duas correntes da inspiração popular e palaciana ou erudita, bem como os costumes intimos de uma sociedade que nos é desconhecida, mas d’onde proviemos; os successos historicos aí têm a sua nota accentuada; os nomes que figuram nas lendas genealogicas e nos feitos de armas no periodo da constituição da nossa nacionalidade aí se encontram assignando os mais saborosos cantares consagrados ás damas da côrte, que serviam. Finalmente, ali está o documento mais vasto em que a lingua portugueza se manifesta no seu esforço para de inconsistente dialecto romanico se tornar uma lingua escripta com uma grammatica fixa. Um livro assim, onde se acha representado o melhor da nossa antiga poesia durante os seculos XIII e XIV, é a joia de uma bibliotheca. Como nos mostraremos gratos ao estrangeiro que assim vem augmentar os nossos thezouros historicos e restituir-nos o fio perdido da nossa tradição nacional? Estudando-o.

A primeira questão que o Cancioneiro portuguez do Vaticano sugere é determinar as suas relações com os antigos cancioneiros provençaes portuguezes em grande parte perdidos; esta circumstancia complica o problema critico, e por isso importa bem determinar aproximadamente o numero d’essos cancioneiros para se fazer o processo de filiação. Tal é o intuito d’este nosso primeiro estudo, bastante restricto, por que determinar o valor historico do Cancioneiro pelas correntes litterarias n’elle representadas, pela allusão aos grandes successos, pelo uso de dadas formas poeticas, pelas personalidades dos principaes trovadores e pelo estado da lingua portugueza, é uma exploração de tal forma vasta, que qualquer d’estas questões excede as proporções de uma noticia. Começamos pela critica externa do Cancioneiro, enumerando todos os cancioneiros portuguezes dos seculos XIII e XIV que contribuiram para a sua formação, procurando ao mesmo tempo o nexo que existiria entre elles, e pelas divergencias de texto quaes as collecções que se perderam sem chegarem a ser conhecidas.

 
1. O Livro das Cantigas do Conde de Barcellos.

No testamento do Conde D. Pedro, feito em Lalim em 30 de Março de 1350, se lê esta clausula: "Item, mando o meu Livro das Cantigas a el rei de Castella". Interpretando esta clausula,