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Página:O estado do Direito entre os Autochtones do Brazil.pdf/10

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expulsos de toda e qualquer communidade os Muras que habitam as margens do Madeira e do Solimões de onde, como ciganos, emprehendem expedições de roubo e de latrocinio. Desprezados e perseguidos por todas as outras tribus, são elles talvez os pobres restos de um povo outr'ora forte e poderoso que em expiação das crueldades e roubos praticados sem distincção alguma, por guerras sem treguas dos visinhos, perdeu o domicilio fixo e fragmentou-se completamente. Em condições inteiramente contrarias apparecem outros povos poderosos que, como os Guaycurús e os Mundrucús, ganharam a hegemonia entre os visinhos ; acomodam as brigas entre os fracos e são os garantidores da paz ; solicita-sel-hes a alliança, e por meio de convites ás festas e por presentes offerecidos aos chefes, procura-se obter a sua protecção. Em outros tempos as tribus de origem caraiba tinham alcançado igual supremacia sobre os indios do Rio Branco, Rio Negro e Solimões que guerreavam, principalmente para fazer escravos, e ainda hoje nota-se grande mêdo por certas hordas caraibas que se fixaram entre outros povos que habitam os afluentes do Solimões [1].

Os vestigios de allianças baseadas sobre o direito das gentes, são muito insignificantes, assim como relações commerciaes de povo a povo, de caracter publico. E’ verdade que muitos objectos passam de mão em mão até distancias grandes, porêm, estas relações de permuta de certos objectos fabricados por uma outra horda, nunca são negocios da communidade. Só indivíduos determinados, especialmente os chefes, que a par da influencia maior unem mais experiencia, experteza e actividade, sustentam tal commercio Assim encontramos no Rio Tapajós um chefe dos Mavhés que queria barganhar arcos de madeira vermelha e pasta de guaraná para bebida contra ornamentos de pennas dos Mundrucús. 0 velho Juri-tabóca que mostrou-me a fabricação do veneno das flechas [2], negociava com este artigo entre os povos amigos que moravam mais para o sul, onde a influencia da civilização européa já se manifesta, a tribu se congrega para commerciar sob a direcção do chefe; assim os chefes dos Mundrucús e dos Mauhés vendem farinha de mandioca e salsaparrilha, produzidas pela communidade inteira, aos negociantes de Santarém e Óbidos.

A submissão dos mais fracos, mais covardes e mais preguiçosos, debaixo de um individuo que se lhes avantaja em força physica e intelligencia, está bem arraigada no caracter humano. E é nisso só que se baseam a importancia e a posição de um chefe entre os autochtones brazileiros; sómente as qualidades pessoaes elevam [3] a chefe ou director da horda, da tribu.

Costuma-se geralmente dar o nome de Cacique aos chefes de todos os selvagens americanos, ligando a este nome a idéa de um déspota poderoso que, sem restricção alguma, dispõe da vida e da propriedade de seus companheiros da tribu, que determina

  1. Assim também ha grande medo pelos Carinas que moram no Rio Yuruá.
  2. Martius Büchners repertorium. Vol. 36 fasc. R. Reisse III. pg. 1237
  3. Duces ex-virtute sumunt, como os nossos antepassados (Tac. Gerrn. 7.