nenhum echo e nenhuma elegia encapa deste tumulo para chegar aos nossos ouvidos attentos. Millennios sem resultado passaram por esta humanidade e o unico testemunho da sua alta antiquidade é exactamente esta completa dissolução, esta fragmentação total de tudo quanto estamos acostumados a saudar, como energia vital de um povo, representada ahi pela ruina absoluta. Nem ao menos o singelo e modesto musgo que como um symbolo da melancholia cobre as ruinas das grandezas antigas romanas e germanicas se estendeu sobre os restos daquella antiguidade sul-americana :—ahi (como por exemplo em Papantla) escuras e antigas mattas virgens esconderam debaixo do humus e dos detrictos mortos os monumentos dos povos de ha muito desapparecidos e tudo que a mão do homem de outr’ora creára está coherto por camadas de uma decomposição incalculavel. A própria raça que desde tempos immemoriaes se salvára deste desapparecimento, traz agora, na sua infantil velhice, o cunho de uma degeneração continuada por millennios.
Foi em tal estado que os descobridores do Brazil os encontraram. Pasmados da rudeza selvagem, quasi animal, destes autochtones maculados pelo peccatum nefandum e pela antropophagia, quasi duvidaram que fossem homens que tinham encontrado [1] e, por isso, nao é de admirar que elles, não preparados para um tal espectáculo e não acostumados á critica das investigações, deixassem de deslindar os fios emmaranhados que conduzem á historia daquella gente. Em vez disso receberam ideias certamente erroneas que espalharam e que de modo nenhum correspondem a verdade em relação á vida, ao ser e as particularidades ethnicas destes indios. E’ deste valor, entre outras, a opinião corrente durante muito tempo que admittia a independencia de certos povos que apenas eram tribus da extensa nação dos Tupis e que havia um povo poderoso e bravio que denominavam Tapuios, quando é certo que a palavra Tapuia na lingua tupi, primitivamente era a designação collectiva para todos os povos ou tribus que não pertenciam aos Tupis [2] e significava um inimigo (como hostis no latim) e actualmente quer dizer o indio livre ainda não civilizado. [3]
Como um dos factos mais certos está provado que os Tupis (ou Tupinambás) encontrados pelos portuguezes, estavam domiciliados em quasi todo o littoral e naquella época ainda formavam um povo numeroso e forte, apenas fragmentado em muitas hordas e subhordas que se guerreavam reciprocamente mas tendo no essencial os mesmos costumes e a mesma lingua apenas matizada em diversos dialectos. Provavelmente originarias das regiões dos rios de Paraguay e La Plata espalharam-se para o norte e nordeste até Amazonas e margens do oceano. Isso, porém não quer dizer que só elles occupavam todo este território, fixaram-se por entre tribus estranhas, resultando d’ahi que certas palavras da sua lingua pastaram para a de seus visinhos. [4]
- ↑ Foi até precisa uma declaração terminante do Papa que estes indios eram gente. (Attendes Indos ipsos utpote veros homines etc.) na bulla do Papa Paulo III. 4 de Junho de 1537.
- ↑ Vasconcellos, Chronica da Companhia de Jesus do Estado do Brazil. Lisb. foi. 1663. pag. 95.
- ↑ Barbaros na concepção antiga dos gregos e romanos, certamente não era para o Tupi os indios de o atras nacionalidades, porque oppunha-se a elles mais pelo odio do que pelo desprezo. Mais orgulho ha na resposta que dá o Caraiba quando perquntado pelo Cumilla sobre a sua nacionalidade: Ana Carina rote, só nós somos gentes. Os portuguezes recemchegados, por causa do seu traje, eram chamados por zombaria Emboabas os calçados, um nome que designa os passaros de pernas emplumadas. Os colonos por sua vez chamamavam os indios de —bugres— escravos ou caboclos, os calvos ou depilados, por causa da falta de barba e pelo costume de arrancar os pellos.
- ↑ Martius. Reise in Brazilien III. pag. 1093—1097.