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O IMPERIO BRAZILEIRO

physionomia ladina. Sua fealdade intelligente, sua cara de famulo astucioso da comedia classica, por vezes se guindava a exterioridades de desdem aristocratico. Sempre d'elle se esperava uma zombaria, e, por vezes, o que sahia dos seus labios era uma observação profunda, quando não a condensação de uma visão prophetica que fazia duvidar do seu scepticismo habitual, o qual sobretudo se manifestava por uma maneira muito delle. Com uma constante naturalidade e uma clareza elegante timbrava em occupar-se com gravidade dos assumptos frivolos e com frivolidade dos assumptos graves[1], dando mostra de uma philosophia da vida contradictoria, buliçosa, divertida, occultando os aspectos sombrios sob os aspectos joviaes.

Com relação á questão da abolição, a duração do ministerio Cotegipe foi assignalada pela lucta final entre o espirito de reacção, que queria fazer vingar a immobilidade, e o espirito de progresso, que mais audacioso se tornava e dispunha de melhores trunfos. Não mais se tratava da legalidade da emancipação completa, apenas de opportunidade da sua cessação, quanto ao direito, desde 1866, pelo menos, que Perdigão Malheiro, estabelecera que a propriedade escrava não era de direito natural e sim creação do direito civil e, conforme acrescentara outro jurista, São Vicente, não correspondia, a um principio necessario, representando um privilegio, uma excepção feita ao direito commum. A agitação generalizara-se. Do Norte ganhara o Sul. A pena de açoites, ainda no codigo negro, teve que ser extincta. Os escravos — e o Sul era a região das grandes escravarias — puzeram-se a desertar as plantações, a tal ponto que se formaram quilombos e que só em Santos houve numa occasião 12.000 desses refugiados. Os grandes proprietarios de fazendas de café já se resignavam publicamente a que a instituição servil fosse mantida apenas por tres annos mais, afim de melhor prepararem o advento do trabalho livre. Alguns alforriavam de uma vez todos os seus escravos. Os senadores liberaes adheriam na sua maioria ao projecto de abolição total para a data de

  1. Affonso Celso, Oito annos de Parlamento.