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O IMPERIO BRAZILEIRO

dinheiro do governo a pretexto de despezas de caridade e outras[1].

Macedo Costa e frei Vital são grandes vultos do nosso episcopado, mas frei Vital é mais do que isso, uma das grandes figuras moraes da nossa historia. Em religião não é permittida a transigencia, mesmo porque a religião não é uma instituição politica; e si ella ganhou com o conflicto foi justamente porque se mostrou intolerante. Um escriptor protestante, Fronde, nota que só o scepticismo é tolerante. A Santa Sé, habituada ás praticas diplomaticas, deu prova de uma primeira contemporização levantando por um anno as excommunhões incorridas pelos maçons, a qual aliás de nada serviu. Do que se tratava não era tanto do dominio espiritual, como do dominio do direito publico, sendo essencial fixar dois pontos: si, dada a natureza mixta das confrarias, era licito á auctoridade religiosa, ampliando sua esphera de acção, impôr-lhe novas condições pela sua exclusiva iniciativa, sem concorrencia ou acquiescencia da auctoridade temporal, e si, dada a lei basica do Brazil, podia em caso algum dispensar-se a homologação imperial para os rescriptos pontificios. No caso das irmandades, estava até assente pelo governo que o compromisso, sobre o qual o bispo se arrogava poder absoluto, não podia ser alterado sem proposta dos associados, dos quaes constituiam outros tantos actos voluntarios. Pretendiam ellas que lhes cabia eliminarem, querendo, irmãos com recurso para o temporal, como juiz de capellas. N'um regimen de religião d'Estado, a supremacia não pode ser independente e sobretudo illimitada fóra do dominio restrictamente espiritual, e num regimen constitucional não pode haver uma condemnação sem processo com audiencia e conhecimento da parte, devendo os interdictos ter caracter pessoal e não pesar igualmente sobre innocentes e culpados.

A discussão juridica podia prolongar-se indefinidamente, e não faltavam certamente ao governo jurisperitos argutos e boas razões

  1. Cartas publicadas pelo snr. Viveiros de Castro no volume commemorativo do Instituto Historico (1925).