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b) Com diz, em narrações, por ex.: «e no Avangelho diz», xlv, 37; «diz que foy hũa vez hũu leom», xlvi, 1; «no exemplo diz», viii, 22. — Nos Anciens textes portugais de J. Cornu, Paris 1882, encontram-se varios exemplos analogos, do sec. xiv: «asy como cõta de hũu homẽ», p. 27; «de aquell velho de que falla na léénda de Sancto Andre», p. 30; «hu conta que lhe veo gram tẽptaçõ carnal», p. 32. O Conto de Amaro publicado por Otto Klob na Romania, xxx, 504 sqq., começa assim: «conta que em huũa provj̃cia auya huũ hõem bóó que auya nome Amaro» (p. 507). Ainda hoje no povo é frequente começar-se uma narrativa impessoalmente por diz.


c) Com homem, que serve de pronome, como o fr. on, e o prov. om (hom), por ex.: «e homem que está em prosperidade em este mundo nom deue escarneçer do minguado», xxix, 30; «o mal que homem faz", xlx, 33. Na origem homem tinha o seu valor de substantivo e era o sujeito logico e grammatical, o que se vê ainda nestas phrases: «por nhũa gram tribulaçom que o homem aja», lvii, 13; «poucas vezes póde o homem empeeçer na razom», lxi, 66, onde até vem precedido do artigo; e no plural «os homẽes nom deuem a fazer a outrem o que elles nom queriam que a elles fezessem», xix, 20-21 (a ultima oração é impessoal, com o verbo no plural, como supra, § 35-a). Nestes exemplos basta só um salto, para passar, de homem, como substantivo e sujeito logico, para homem, como pronome e sujeito meramente grammatical. A ideia geral, contida em homem, tornou-se indefinida. — São numerosos os exemplos d’este uso em português antigo: cfr. as notas de Roquete ao Leal Conselheiro, p. 268.

36. Repetição pleonastica da conjuncção integrante que: «ajmda nos ensina mais, que, sse nos alg(u)em ssauda, que nos nom assanhemos», xi, 13; «promettendo-lhe que, sse o désse ssãao, que lhe faria muyto algo», viii, 6-7. — Este phenomeno é muito frequente em português, sobretudo quando ha grande separação entre o que e o predicado. O mesmo succede em latim: Madvig, Gram. Lat. (trad. port.), § 480, obs. 2.

37. Particularidades de concordancia:

a) Sujeito (collectivo) no singular e predicado no plural: «toda gemte te lança de sy, com nojo que de ty ham», xxiii, 29. Apesar de na primeira oração estar lança, no singular, na ultima apparece ham, no plural, por estar um pouco mais longe de gente; podia tambem ham considerar-se impessoal, cfr. § 35-a. — Sobre este uso na nossa lingoa literaria cfr. o meu opusculo O texto dos Lusiadas, Porto 1890, p. 31 sqq.