Página:O livro de Esopo fabulario português medieval.pdf/131

Wikisource, a biblioteca livre

a casa» (= de quem era a casa), ix, 10; «como sseu dono avia, cuja a cousa era» (= de quem a cousa era), xliv, 31. Isto é muito frequente na litteratura antiga.

g) O pronome qual alterna com que, mas emprega-se em muitas circunstancias em que hoje se empregaria mais facilmente que, por ex.: «este autor viuia, o quall se chama Exopo», prol. 3; «ó gema preçiosa e nobilissima, a quall jazes em aqueste vill luguar!», i, 5.

h) Emprêgo pleonastico ou redundante do pronome demonstrativo: «o serviço que se faz de voontade, aquelle é bem feito», xxv, 14. Hoje diriamos: «o serviço que, etc., é bem feito», ou «o serviço que, etc., esse é bem feito», ou «aquelle serviço que, etc., é bem feito». — Cfr. Madvig, Gram. lat., § 489.

i) Neste exemplo, «jnoçente do que ho lobo a acusava», xxiv, 8, está do que em vez de d’aquillo de que, com omissão da preposição de entre o demonstrativo o(= aquillo) e o relativo que. Cfr. em Bernardes, Nova Floresta (não indico o logar, pois cito de memoria), «que vem a quem lhe doe a fazenda». Citei outros exemplos n-O texto das Lusiadas, Porto 1890, p. 46. Póde dizer-se que o relativo absorveu em certa medida a funcção do demonstrativo.

j) Na expressão «nom quis teer da hũa parte nem da outra», xxx, 7, hũa vem precedido de artigo, por estar contraposto a outra. Todavia em xxv, 10, lê-se: «sse os rratos me faziam dapno d’hũa parte, tu m’o fazias da outra»; e em v, 8: «assy perdeo hũa e a outra». Em fr. tambem se diz l’un et l’autre, mas ahi un está substantivado.

k) Não se usa o artigo definido em «as mais de vezes», xlv, 35, li, 3, expressão em que hoje se diria das vezes. — Na seguinte phrase sentenciosa, «rrazom mostra que rreçeba mal aquell que com outrem quer trebelhar» xviii, 14-15, omitte-se o artigo antes de rrazom, para esta palavra ter o caracter mais geral possivel.

40. Emprêgo do modo conjunctivo:

Neste passo, «em aquesta estoria o doutor .. diz que quando a probeza sse toma com alegria de coraçom, nom sse deue chamar probeza, mas rriqueza, porque a probeza he a mays ssegura cousa que no mundo sseja» (xii, 28-31), a oração relativa, que é de sentido consecutivo, e está depois de um superlativo, tem o verbo no conjunctivo (em contraste com a lingoa actual). Assim tambem em francês: vid. Epiphanio Dias, Gramm. francesa, 8.ª ed., § 342-b.

Neste passo, «aqueste Exopo .. sse comta que fosse morto .. per emveja» (prol., 6-8), o conjunctivo está tambem em contraste com a lingoa moderna, pois hoje diriamos fôra.