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Temos o que os rhetoricos chamam «chiasmo» na fab. xl, 22-23: A mym praz mais viuer em mynha liberdade e comer mall, que bem comer e sseer sempre seruo.

Frequentemente a citação de proverbios e ditos moraes anima o estylo:

Buscar cajom comtra rrazom, ii, 24;

A lingoa nom ha osso,
Mais rrompe o dosso (xiv, 16);

Muytas vezes o mell
Sse mistura com ffell (xv, no fim);

A todo homem servirás;
A quem errares, d’ell te guardarás (xix, no fim);

Malãndante he aquell
Que sseu aver nom vee (xliii, 26-27);

Cam que muyto ladra, poucas vezes morde (liv, 8-9);

Quem neyçiamente cree, neyçio he chamado e neyçiamente peca (liii, 15);

O boy pequeno aprende de arar do grande, e quem quer castigar o leom, ffere o cam (xxxv, 9).


Ás vezes porém o dizer fica sobrecarregado de sentenças, umas litterarias, outras ecclesiasticas: xxxiv, moralid.; xxxvi, 6 sqq.; lxi, 62 sqq.

A estes defeitos accrescem outros: dialogos notavelmente pesados, xxiii; narração deselegante, lxi, 30 sqq.; confusão do sing. com o plur., xxiv, moralid., e lxii, moralid.[1]; syntaxe desleixada, lvii, 2; xlviii, 15; lxi, 7.

Sem embargo, esta obra, pelo seu assunto, constituia grande novidade para o tempo, — habituados, como todos estavam, ao enfado da prosa puramente mystica —, e devia ser muito saboreada pelos leitores a quem o autor a destinava.

  1. Com estes dois ultimos exemplos cfr. Leal Conselheiro, cap. rvi, p. 259: «Dos virtuosos amigos nom devemos duvydar quando nom vyrmos o contrairo, porque som cousas contrairas avello por amigo».