Página:O livro de Esopo fabulario português medieval.pdf/153

Wikisource, a biblioteca livre

Fab. xlv.L. 37) Com o versiculo latino cfr. o Evangelho de S. Matheus, x, 26, Nihil est .. opertum, quod non revelabitur, et occultum quod non scietur, e o de S. Lucas, viii, 17, Non est enim occultum, quod non manifestetur, etc. As sentenças d’este teor eram muito vulgares na litteratura. Tambem no Leal Conselheiro, cap. lxxxiii, p. 403, se lê, em fórma de adagio rimado: «Não ha cousa ascondida || que nom seja descoberta e sabida», sentença que concorda singularmente com a que se lê nos versos do Arcipreste de Hita ou Fita (sec. xiv:


Et segund dis Jesu Christo, non ai cosa escondida

Que a cabo de tiempo non sea bien sabida[1].


Fab. xlvii. — Não foi sem hesitação que na linha 2 (cfr. nota 6) propus que deus se emendasse em deus[es], porque o manuscrito, no geral, não está muito incorrecto. Levou-me a propôr a emenda o facto de logo adeante se ler duas vezes deoses, embora com o. Todavia, apesar d’esse facto, e de já um grammatico do sec. xvi legislar que o plural de deos é deoses[2], seria possivel que a fórma deus do nosso Fabulario correspondesse á latina deos, e equivalesse pois realmente ao plural, tanto mais que a fórma deoses, com relação ao nomin. lat. dei, dii, di, ou ao accus. deos, é inteiramente irregular, e por tanto moderna, e que em hespanhol do sec. xiii ha o pl. dios, do lat. deos, que, como se vê, é igual ao sing. dios (hoje diós), do lat. deus[3]

  1. Libro de cantares ou de buen amor, est. 80-81 (Collección de poetas castellanos anteriores al siglo xv).
  2. João de Barros, Gram. da ling. port. (na Compilação de varias obras, ed. de Lisboa, 1785, p. 107).
  3. Cfr. Menéndez Pidal, Manual de gram. histor. esp., Madrid 1905, p. 131 (§ 75-3). — A titulo de exemplo, citarei estes versos do Libro de Alexandre (da Coll. de poetas castellanos anter. al siglo xv:

    Allá sobre los çielos a los dios enioauam (est. 252-b);

    Alli fueron lamados los dios e las deessas (est. 313-a);

    Eran enna carreta todos los dios pintados (est. 817-a).


    D’este modo, deus no nosso Fabulario seria um archaismo, comparavel a outros que lá se encontrem, como dey «deu», er (particula) e veençudo «vencido» (archaismo, já se vê, em relação á epoca revelada pela lingoa geral usada no manuscrito).