Página:O livro de Esopo fabulario português medieval.pdf/172

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Quão longe os dois textos estão do do Anonymo, se verá da transcrição d’este:


Audet asellus aprum risu temptare proteruo,
Audet inhers forti dicere: Frater, aue!
Vibrat aper pro uoce caput..
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Sus tamen ista mouet: Vilem dens nobilis escam
Spernit..
Hervieux II (fab. 11.ª)

O Esopus moralisatus está a igual distancia.

Curiosissimo do mesmo modo é notar que, se na fabula do pastor e do lobo, que fecha a nossa collecção, se diz comta-nos ho poeta esta hultima estoria, frase semelhante se lê na correspondente fabula do Isopo Riccardiano, tambem ahi a derradeira: per questo ultimo essempro ci amoniscie il savio.

Mas, assim como entre o nosso Esopo e o Esopus moralisatus as semelhanças se limitam ás formulas e a casos avulsos, assim a relação que existe entre aquelle e o Riccardiano não são maiores do que isso.

Por um lado, estas analogias d-O Livro de Esopo com o Isopo Riccardiano e o Esopus moralisatus, e por outro lado as divergencias que ha entre aquelle e o texto gualteriano, fazem de facto crer que, como acima aventei, houve uma dissolução latina, em prosa, dos versos do Anonymus de Nevelet, d’onde provém directamente as nossas fabulas, — dissolução que o compilador português, ainda assim, modificou mais ou menos, pois enriqueceu de adagios nacionaes e de reflexões moralisticas os epimythios[1]. Este compilador, que infelizmente não revelou o seu nome[2], seria ecclesiastico, a julgar de alguns dos epimythios, especialmente dos das fabulas XXXIV e XLV, tão cheios de uncção religiosa. A referida dissolução prosaica devia conter os factos que a pp. 148-151 citei como proprios do nosso Esopo, e não existentes em Walter. Fica implicitamente esta-

  1. É sabido que os traductores medievaes não costumam ser fieis: ora ampliavam, ora resumiam, ora supprimiam.
  2. Os escritores medievaes occultavam muitas vezes o nome por modestia christã. Contentavam-se com trabalhar para o que elles suppunham ser o bem commum, e, em vez de gloria, só queriam a satisfação d’esse impulso da consciencia. Por tal motivo eram ás vezes as obras de uns postas a saque por outros; e ninguem se suppunha plagiario ou plagiado.