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FABULARIO PORTUGUÊS
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E o rrato rrespomdeo que lhe prazia e que lh’o agradeçia muyto. E a rrãa fazia esto pera emganar o rrato, e disse-lhe:

— Amiguo, legemos[1] hũa linha no pee teu e meu, e ssube em çima de mym.

E o rrato feze-o assy. E depois que forom no meo da augua, a rrãa disse ao rrato:

— Dom velhaco, aqui morreredes maa morte.

E a rrãa tiraua pera fundo, pera afoguá-lo de so a augua; e ho rrato tiraua pera çima. E estamdo em esta batalha, vi’-os[2] hũu minhoto que andaua voamdo pello aar, e tomou-os com as hunhas e comê’-os[3] ambos.




Em aquesta hestoria este doutor rreprehemde os homẽes, os quaes com boas palauras e doçes, de querer fazer proll e homrra a sseu proximo, <e>[4] emganosamente lhe<s>[5] fazem maas obras, porque all dizem com as limguoas e all teem nos sseus coraçõoes.

E esto sse demostra per a rrãa, a quall dizia que queria passar o rrato, e tijnha no sseu coraçom preposito de ho afoguar e matar, como dicto he em çima[6].

  1. Leia-se leguemos.
  2. =vio-os. No ms. vios.
  3. =comeo-os. No ms. comeos.
  4. O e está de mais, postoque nos textos antigos o uso de e não seja sempre rigoroso. Foi aqui talvez escrito por influencia do e seguinte.
  5. Esperar-se-hia lhe, por se referir a proximo; mas no espirito do auctor ou no do copista a ideia de homẽes, que apparece no comêço do periodo, alternou com a de proximo, e o lhe foi referido a ella.
  6. No desenho á penna, illustrativo da fabula que acaba de se transcrever, lê-se adeante do bico da ave: syyo vioviovio, o que traduz a voz d’ella.