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FABULARIO PORTUGUÊS

Em aquesta hestoria este douctor rreprehemde os homẽes pequenos e de pequena comdiçom que tomam companhia com os gramdes e poderosos, — e[1] porque ho homem poderoso póde fazer força ao homem de pequena comdiçom, e nom lhe podem comtradizer: como fez o leom a sseus companheyros.


VII. [O casamento do ladrão e o do sol]

[Fl. 5-v.][F]oy hũa vez hũu ladrom, e quys-sse casar com hũa molher: e de fecto[2] casou-se com ella. E os vezinhos e amiguos fezerom gramde festa. Hũu homem ssabedor, o quall moraua em aquella rrua, chamou os vezinhos e disse-lhe este emxemplo:

— Hũa vez o ssoll quis tomar molher, e a terra queixou-sse muito ao deus Jouis, dizemdo-lhe que, sse o ssol tomasse outra molher, faria outros filhos, que sseriam ssolles e dariam tamta queentura de ssy, que nhũa criatura nom poderia viuer em ella. E assy fará este ladrom: fará filhos, e fará-os ladrõoes assy como ssy. E ora teemos em elle hũu maao vezinho, e depois terremos muytos.




Em aquesta estoria este douctor[3] nos demostra que nos nom deuemos d’alegrar da bem auemturamça dos maaos homẽes, os quaaes ssempre fazem mall; e nunca os deuemos de ajudar, porque quanto mais ajuda e bem lhe fazemos, mais poderio lhe damos de mall obrar: como fez este ladrom, que sse fazia poderoso de filhos pera poder muyto mais furtar.


VIII. [O lobo e a grua]

[Fl. 6-r.][C]omta-sse que hũa vez hũu lobo avia[4] gramde fame, e achou carniça que auia muytos ossos. E comendo com gramde pressa da dicta carniça, atreuessou-se-lhe hũu osso na guarguamta, pella quall rrazom o llobo estaua em pomto de morte; e amdaua buscamdo phisico que lhe tirasse o osso, e achou a grua e rrogou-lhe aficadamente

  1. Isto é: e isto.
  2. No ms. fc̄oo. Creio que deve transcrever-se fecto, e não facto.
  3. No ms. dõuctor. Apesar do u e do c, ha ainda til (de certo por equivoco).
  4. Assim se lê no ms. por auia. Ha outras irregularidades semelhantes.