mundo nom ha mayor proueza que o homem seer rrico e viuer ssempre em ssospeyçom e medo. Ajmda diz que nom ha no mundo mays nobre cousa que ho boo ameestramemto, ca ho homem que mall amaestrado he, sempre viue em rroindades.
[Fl. 40A-v.][P]om emxemplo este doutor poeta e diz que hũu senhor tijnha hũu cam muyto preçado e muy valemte, e tamto ho amaua que comsigo o tijnha muytas vezes na cama.
Este cam veo a envelheçer. E hũa vez o sseu senhor o leuou com siguo[1] aa caça e mostrou-[lhe][2] hũ[a] lebre: e este cam nom a pôde tomar. O sseu senhor ouue gram nojo, e tomou hũu paao e começou a ferir[3] este cam crueuelmente[4]. Depoys que o ferio, o cam falou e disse:
— Quando eu era nouo, caça nhũa[5] nom escapaua da minha boca; ora, que ssom velho, tu me deuias perdoar e devias-te lembrar do boo seruiço que eu te fiz quando era nouo. Entom me /[Fl. 40B-r.] preçauas tu muyto; ora que som velho, me despreças e nom te nembras do boo seruiço que de my rreçebeste.
Per este emxemplo este poeta nos demostra que o amor dos maaos homẽes tamto dura quamto dura o seruiço que o homem lhe faz. E aquell que serue os maaos perde o seruiço, porque aquell que maao senhor he, nom ha em ssy discreçom pera rremunerar sseus seruidores do seruiço que d’elles rreçebeo ao tempo que lhe conprira.
[P]om emxemplo este poeta e diz que em hũa mata jaziam muytas lebres; e hũu gram vemto daua pellas aruores, e faziam[6] gramde
- ↑ No ms. com siguo, em duas palavras.
- ↑ Onde ponho colchetes, o ms. está roto.
- ↑ No ms. lê-se começou aaferir. É provavel que o segundo a seja engano e não constitua com ferir uma palavra aferir, pois ferir é frequente no ms.
- ↑ No ms. crūēūlmente: o til que cobre ueu representa e ou i. As fórmas cruevel e cruevil são conhecidas e português antigo; o nosso ms. tem noutro logar crueuees (fab. XXXI). Quanto a escolher -il ou -el, o nosso ms., se tem estauyll (= estávil) na fab. XXXIV, tem ciuell (= cível) na fab. LX.
- ↑ Leia-se nẽ hũa ou nehũa.
- ↑ O sujeito grammatical é arvores.
