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FABULARIO PORTUGUÊS

— Muytos ajudey ao tempo de sseus mesteres, assy a paremtes como amygos, e ora nom acho paremte nem amyguo! Quamdo[1] / [Fl. 43-v.] a furtuna he comtra o homem, todolos paremtes ffogem d’ell, como ora fazem de mym!

E este velho tijnha hũu sseu pastor que lhe guardaua sseu guaado. E veemdo o pastor sseu ssenhor amdar tam triste, ouue piedade d’ell, e preguntou-lhe[2] porque andaua com tanta tristura. O uelho lhe comtou todo sseu negoçio. O pastor, que ouue d’elle doo, lhe disse:

— Meu ssenhor, eu quero tomar esta avemtura em vosso nome.

O uelho lhe deu muytas graças[3].

Ho outro dia, do combate, mandou este pastor bem armado ao campo a combater-sse com este caualeyro. Quando o caualeyro vyo este vaqueyro, disse que a ell seria gram vergomça sse sse muyto amdasse combatemdo com este vaqueyro, mas que loguo o emtendya de vemçer: e compeçou tirar e dar com ssua espada gramdes golpes no vaqueyro. Ho uaqueyro cobria-sse e leixaua-o bem camssar, e algũas vezes esquyvava os guolpes do caualeyro: esto fazia ell por o leixar bem canssar. O caualeyro maginaua que sse nom podia defemder o uaqueyro, e cada uez o despreçaua mais. O caualeyro tomou hũu ssodairo, e enxugaua ho rrostro, porque ssuava. Ho vaqueyro sse achegou a ell, e deu-lhe hũu golpe no cotouelo do braço derejto[4], que o caualeyro perdeo a força do braço, e arredou-sse por de tras, e posse-sse a sseer; e o uaqueyro <o>[5] outrossy sse asseemtou no campo. Ho uaqueyro /[Fl. 44-r.] disse ao caualeyro que sse leuantasse; ho caualeyro disse que nom queria. O uaqueyro, veendo que o caualeyro nom sse queria leuantar, posse-sse outra vez a sseer no campo.

Aaqueste combate estava pressemte el-rrey com outros muytos barõoes[6] pera o ueer; e veendo-os ambos sseer, toda a gemte compeçou d’escarneçer. Ell-Rey mandou-lhes dizer que sse combatessem. Ho missigeyro disse ao uaqueyro que sse alçasse[7] e sse combatesse ou sse desse por veençudo; ho uaqueyro disse:

— Eu nom me dou por vemçido, mas eu ssom vençedor, ca eu nom quero dar no homem que ssee asseemtado; mas sse o caualeyro sse quiser aleuantar em pee, eu ssom prestes de me combater com elle.

A gemte essarneçia. Ho uaqueyro foy-sse ao caualeyro e disse

  1. No pé da pagina, entre ornatos, lê-se como reclamo ou chamada «A furtuna», que é a expressão que começa a nova pagina.
  2. Em preguntou a sylaba pre- está em abreviatura, que é igual, por ex., á da primeira syllaba de preçiosa, pressemte etc.; por isso transcrevi a syllaba por pre- e não por per-.
  3. No ms. gracas.
  4. No ms. djto com til sobre j; mas noutros logares, por extenso, derejto.
  5. Está de mais o; esta lettra é a ultima da linha. O escrevente ia de certo escrever outro, mas passou a palavra toda para a linha seguinte, sem riscar o.
  6. No ms. barooes.
  7. No ms. alcasse.