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FABULARIO PORTUGUÊS
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muyta vilania, porque sse nom queria leuantar; ho caualeyro rrogou ao pastor que lhe perdoasse, e que sse fosse com Deus[1], ca ell sse dana por vençido.

Ho uaqueyro sse partio do canpo com gramde homrra, e com gram prazer; o uelho folgou mujto, e feze-o herdeyro de todos sseus bẽes. E nom foy mays vaqueyro.




Pom o poeta este emxemplo e diz que nhũu[2] nom deue acusar nem fazer mall a outrem ssem rrezom, porque quando comfiam vençer algũa batalha, comfiando mays no sseu poder que no poder de Deus, perde[3], porque ssoo Deus he juiz derejto[4] e defemdedor da rrazom, e poucas vezes póde o homem /[Fl. 44-v.] empeeçer aa rrazom; e muytas vezes acomteçe nas batalhas que os poucos vemçem os[5] muytos quando conbatem com rrazom. Ajnda diz que nas prosperidades nom sse conhoçem[6] os amyguos, mas conhoçem-sse nas averssidades; mas ora em este tempo nom sse acham ssenom pera leuar-lhe o sseu, e do sseu nom dar nada: e taaes eomo estes nom ssom amigos, mas ssom lobos rrabazes. E porem diz Sseneca: Illa est vera amicicia que nom querit ex rrebus amicy nisy sollam benyvolemçiam[7].[8]


LXII. [O capão, o gavião e o seu senhor]

[Fl. 45-r.][C]onta-nos ho poeta este emxempllo e diz que hũu senhor avia hũu capam muy guordo e muy fremoso; e quando o capam ssemtia que este senhor vijnha pera casa, o capam sse escomdia em lugar que o[9] senhor nom o visse.

Hũu gauyam d’este senhor pregumtou a este capam porque fugia quando vijnha sseu senhor, e ell[10] nom fugia nem avia medo d’elle,

  1. Neste caso e nos seguintes a palavra está abreviada (dṡ); mas, como na fab. XI vem Deus por extenso, transcrevo assim tambem aqui com u, e não com o.
  2. Leia-se nẽhũu ou nehũu.
  3. No ms. lê-se perde, no sing., porque o A. tem na mente a anterior palavra nhũu, e elle exprime a impersonalidade ora com essa palavra, ora com o verbo no plural. Não faltará til, pois a palavra não está no fim da linha, amas perto do começo (só no fim se usa geralmente til). Tudo ficaria corrente, se, em vez de comfiam ou perde, estivesse comfia ou perdem.
  4. Vid. supra, nota… a pag.…
  5. Aqui está riscada a palavra poucos, que tinha sido escrita por engano.
  6. O o de os está esborretado.
  7. Nesta sentença, antes de i e y ha c e não ç. Na palavra benyvolenciam o escriba havia posto ç, mas riscou-o. Vê-se que elle sabia que ç não era lettra latina.
  8. Tradução do latim: A verdadeira amizade é aquela que não quer dos amigos nada a não ser a bondade.
  9. Está riscada a palavra capã, escrita por engano em vez da palavra Sor, que foi posta em entre-linha.
  10. Sc. o gavião.