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LIVRO II, CAPITULO I

denação racional no que é apparentemente absurdo, é esse o intuito scientifico, sem o qual todo o esforço ficará reduzido a uma curiosidade banal. As Superstições são o phenomeno capital da sobrevivencia dos costumes; as sociedades transformam-se, mas esta força evolutiva que as impelle acha-se mais ou menos equilibrada com um instincto vago de conservação, que as leva a respeitar o passado. Esse instincto tem manifestações complexas que podem exprimir-se por um termo geral — a tradição; no movimento integral de uma sociedade é o costume; nos factos industriaes é o segredo e hereditariedade das profissões ou rotina; nas concepções racionaes é o mytho com todos os seus variados desdobramentos desde o conto até ás metaphoras inconscientes da linguagem; nas crenças que constituem a hierarchia da religião elaborada pelo dogmatismo sacerdotal, é a parte popular que mantém a immobilidade instinctiva, a que persiste a todas as modificações especulativas, exactamente como no phenomeno da linguagem o archaismo se contrapõe ao neologismo.

O caracter de persistencia etbnica da Superstição dá a este phenomeno uma alta importancia para descobrir os estados primitivos do espírito humano, e ao mesmo tempo para deduzir da complicada accumulação de elementos extranhos nos mythos a sua simplicidade inicial. Tomemo-nos mais claro com uma imagem: o mytho é como um ramo de arvore, que se reveste de folhas, de flores, de gômos e de fructos, segundo a estação, até que, passado o calor que provoca esse trabalho organico, as folhas amarellecem e caem e fica apenas um galho sêcoo reduzido á sua simples structura. É assim a evolução do mytho, em que collaboram todos os estimulos da evolução social, e sobre o qual desabrocham todos os elementos poeticos da imaginação de um povo; por seu turno o