Página:O povo portuguez nos seus costumes, crenças e tradições - Teófilo Braga - II.pdf/445

Wikisource, a biblioteca livre
438
LIVRO III, CAPITULO III

Passou um cão:
— Quero-vos eu!
«Que comes tu?
— Do que Deus Deu.
«Fó, fó, ó cão,
Eu não te quero;
Melhor marido
Que tu espero.

Vão passando o boi, o gato e outros animaes, e ella sempre:

Quem quer casar
Com a Carochinha,
Que ella é fermosa
E perfeitinha?

Passou um rato:
— Quero-vos eu!
«E tu que comes?
— O bom é meu.
«A ti, ó rato,
A ti eu quero:
Melhor marido
Não no espero.

Casaram-se, e elle chamava-se o João Ratão.

Domingo á missa
Ambinhos vão;
Feijões ao lume
No caldeirão.
Viu-se a Carochinha
Sem leque na mão:
«Carochinha sem leque!
Que não dirão?
Vae-me por elle,
Meu João Ratão.

Chega elle a casa
Vae ao caldeirão,
Metteu um pé,
Metteu a mão,
Cahiu lá dentro
O João Ratão.
Acabou a missa;
Carochinha então
Veiu sem leque
Nem João Ratão,
Procura na casa,
Vae ao caldeirão…

«Ai meu marido,
Meu João Ratão
Cosido e assado
No caldeirão!

Pergunta a tripeça
Do pé do lar:
— Que tens, Carochinha,
Que estás a chorar?
«Morreu João Ratão
E eu estou a bradar.
— E eu que sou tripeça
Ponho-me a dansar.

Diz d’alli a porta:
— Que tens, tripeça,
Que estás a dansar?
— Morreu o João Ratão,
Carochinha a chorar
E eu que sou tripeça
Puz-me a dansar.
— Eu eu que sou porta
Ponho-me abrir e a fechar.

Diz d’alli a trave:
— Que tens tu, ó porta,
A abrir-te e a fechar?
— Morreu o João Ratão,
Carochinha a chorar,
A tripeça a dansar,
Eu eu que sou porta
Puz-me a abrir e a fechar.
— «E eu que sou trave
Vou-me quebrar.