Página:Obras completas de Luis de Camões III (1843).djvu/151

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Qu’escrevêrão de tão molesta vida
O menos que passei, e o mais que fallo.

Oh que não sei qu’escrevo, nem que fallo!
Pois se d’hum pensamento em outro passo,
Vejo tão triste genero de vida,
Que se lhe não valerem tanto os olhos,
Não posso imaginar qual seja a penna
Qu’esta pena traslade com que vivo.

N’alma tenho contino hum fogo vivo,
Que se não respirasse no que fallo,
Estaria ja feita cinza a pena;
Mas sôbre a maior dor que soffro e passo,
O temperão com lagrimas os olhos:
Com que, se foge, não se acaba a vida.

Morrendo estou na vida, e em morte vivo;
Vejo sem olhos, e sem lingua fallo;
E juntamente passo gloria e pena.


SEXTINA II.

A culpa de meu mal só tẽe meus olhos,
Pois que derão a Amor entrada n’alma,
Para que perdesse eu a liberdade.
Mas quem póde fugir a huma brandura,
Que despois de vos pôr em tantos males,
Dá por bens o perder por ella a vida?

Assaz de pouco faz quem perde a vida
Por condição tão dura e brandos olhos;
Pois de tal qualidade são meus males,