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Que o mais pequeno delles toca n’alma.
Não s’engane com mostras de brandura
Quem quizer conservar a liberdade.

Roubadora he de toda liberdade
(E oxalá perdoasse á triste vida!)
Esta que o falso Amor chama brandura,
Ai meus antes imigos, que meus olhos!
Que mal vos tinha feito esta vossa alma,
Para vós lhe fazerdes tantos males?

Cresção de dia em dia embora os males;
Perca-se embora a antigua liberdade;
Transforme-se em Amor esta triste alma;
Padeça embora esta innocente vida;
Que bem me págão tudo estes meus olhos,
Quando de outros, se os vem, vem a brandura.

Mas como nelles póde haver brandura,
Se causadores são de tantos males?
Engano foi d’Amor, porque meus olhos
Dessem por bem perdida a liberdade.
Ja não tenho que dar senão a vida,
Se a vida ja não deo, quem ja deo a alma.

Que póde ja’sperar quem a sua alma
Captiva eterna fez d’huma brandura,
Que quando vos dá morte, diz qu’he vida?
Forçado me he gritar nestes meus males,
Olhos meus: pois por vós a liberdade
Perdi, de vós me queixarei, meus olhos.

Chorae, meus olhos, sempre os damnos d’alma,
Pois dais a liberdade a tal brandura,
Que para dar mais males, dá mais vida.