Página:Obras completas de Luis de Camões III (1843).djvu/158

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Estendo estes meus olhos saudosos
Á parte donde tinha o pensamento.

Não vejo senão montes pedregosos;
E sem graça e sem flor os campos vejo,
Que ja floridos víra, e graciosos.

Vejo o puro, suave e rico Tejo,
Com as concavas barcas, que nadando
Vão pondo em doce effeito o seu desejo.

Humas com brando vento navegando,
Outras com leves reinos brandamente
As crystallinas ágoas apartando.

D’alli fallo com a ágoa que não sente
Com cujo sentimento est’alma sae
Em lagrimas desfeita claramente.

Ó fugitivas ondas, esperae;
Que pois me não levais em companhia,
Ao menos estas lagrimas levae.

Até que venha aquelle alegre dia
Qu’eu vá onde vós ides, livre e ledo.
Mas tanto tempo, quem o passaria?

Não póde tanto bem chegar tão cedo:
Porque primeiro a vida acabará,
Que se acabe tão aspero degredo.

Mas essa triste morte que virá,
S’em tão contrário estado me acabasse,
Est’alma assi impaciente adonde irá?

Que se ás portas Tartaricas chegasse,
Temo que tanto mal por a memoria
Nem ao passar do Lethe lhe passasse.

Que se a Tantalo e Ticio for notoria
A pena com que vai, e que a atormenta,