Página:Obras completas de Luis de Camões III (1843).djvu/160

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Furto este breve espaço a meu tormento.

Porque quem tẽe poder para soffrê-lo,
Sem se acabar a vida co’o cuidado,
Tambem terá poder para dizê-lo.

Nem eu escrevo hum mal ja acostumado;
Mas n’alma minha triste e saudosa
A saudade escreve, e eu traslado.

Ando gastando a vida trabalhosa,
E esparzindo a contínua soidade
Ao longo d’huma praia soidosa.

Vejo do mar a instabilidade,
Como com seu ruido impetuoso
Retumba na maior concavidade.

De furibundas ondas poderoso,
Na terra, a seu pezar, está tomando
Lugar, em que s’estenda, cavernoso.

Ella, como mais fraca, lh’está dando
As concavas entranhas, onde esteja
Sempre com som profundo suspirando.

A todas estas cousas tenho inveja
Tamanha, que não sei determinar-me,
Por mais determinado que me veja.

Se quero em tanto mal desesperar-me,
Não posso, porque Amor e saudade
Nem licença me dão para matar-me.

Ás vezes cuido em mi, se a novidade
E estranheza das cousas, co’a mudança,
Poderião mudar huma vontade.

E com isto figuro na lembrança
A nova terra, o novo trato humano,
A estrangeira progenie, a estranha usança.