E quanto mais molhava os tenros braços,
Então mais vivamente o fogo ardia.
Vendo-se assi prender em duros laços,
Ao sentimento obriga a paciencia,
Dando, fóra de si, ao vento abraços.
Embevecido todo n’apparencia,
Sem saber de cuidado o que sentia,
Não fez ao doce engano resistencia.
Ao ver-se longe mais, mais perto via
O peregrino gesto; e se chegava,
Então para mais longe lhe fugia.
Vendo, emfim, como em tudo o remedava
Cahio no torpe engano que tivera,
A tempo que de si ja preso estava.
A belleza que a tantas morte dera,
De si mesma se abraza e se captiva.
Quão longe então de si ver-se quizera!
Ella se abranda propria; ella se esquiva;
E sendo ella somente a que se amava,
Ella se chama ingrata e fugitiva.
A formosura, pois, que namorava,
Com tal difficuldade era seguida,
Qu’estando dentro em si, mui longe estava.
A solitaria Nympha, qu’escondida
Ja nas cavernas concavas se via,
Dos males que lhe ouvio foi commovida.
Das namoradas mágoas que dizia
O namorado moço, ella somente
Os ultimos accentos repetia.
Elle vendo-se estar alli presente,
As crystallinas ágoas accusava
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