Mas não despois de vista o ser deixada.
Quão mal sabe o valor de tua vista
Quem cuida que o que della acaso alcança
Póde achar coração que lhe resista!
Quão bem pareceria huma esperança
Ja concedida a meu amor ardente,
Não sempre huma mortal desconfiança!
Se hum padecer por ti constantemente
Pudesse ser reparo a quem mais te ama,
Inda esperar pudera o ser contente.
Mas eu temo que aquella immensa chama
Com que a teu bello imperio me levaste,
Te enfrie tanto a ti, qu’anto m’inflama.
Se a Olympica belleza assi imitaste,
Que brandamente move hum amor puro,
Porque tão dura condição tomaste?
Qual elevado, qual soberbo muro
Este mal, que m’occupa o pensamento,
Contado, não tornára menos duro?
Tu, qu’es a causa só de meu tormento,
Tu, que somente podes gloriar-me,
Queres que as minhas queixas leve o vento?
Tu, que me pagarias com matar-me,
Inda a morte me negas vezes tantas?
Ai, que me deras vida em morte dar-me!
Usa piedade, tu, que o mundo espantas
Co’os bellos olhos, com que o douras tanto,
Se acaso a vê-lo brandos os levantas.
Estende-se na terra o negro manto,
E á noute dá alegria a luz alheia;
Mas nos meus olhos tristes dura o pranto.
Página:Obras completas de Luis de Camões III (1843).djvu/190
191