Página:Obras completas de Luis de Camões III (1843).djvu/202

Wikisource, a biblioteca livre
203

Esta Causa das causas, revestida
Foi desta nossa carne miseranda.

Do amor e da justiça compellida,
Por os erros da gente, em mãos da gente
(Como se Deos não fôsse) deixa a vida.

Oh Christão descuidado e negligente!
Pondera-o com discurso repousado;
E ver-te-has advertido facilmente.

Ólha aquelle Deos alto e increado,
Senhor das cousas todas, que fundou
O ceo, a terra, o fogo, o mar irado;

Não do confuso caos, como cuidou
A falsa Theologia, e povo escuro,
Que nesta só verdade tanto errou;

Não dos atomos leves d’Epicuro;
Não do fundo Oceano, como Thales,
Mas só do pensamento casto e puro.

Ólha, animal humano, quanto vales,
Pois este immenso Deos por ti padece
Novo estylo de morte, novos males.

Ólha que o sol no Olympo s’escurece,
Não por opposição de outro Planeta;
Mas só porque virtude lhe fallece.

Não vês que a grande máchina inquieta
Do mundo se desfaz toda em tristeza,
E não por causa natural secreta?

Não vês como se perde a Natureza?
O ar se turba? o mar batendo geme,
Desfazendo das pedras a dureza?

Não vês que cahe o monte, a terra treme?
E que lá na remota e grande Athenas