Página:Obras completas de Luis de Camões III (1843).djvu/230

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Porque tambem ao ceo sua dor saia
Sôbre aquella corrente fugitiva,
Escrita no papel da natureza;
Escreve estas palavras de tristeza:

Natercia, Nympha bella, por quem vivo
Em tal tormento, tempo algum me olhou;
Mas des qu’em mi sentio qu’era captivo
Daquelle brando olhar que m’enganou,
O amor tornava em desamor esquivo;
E d’hum tormento tal a outro passou.
Em cousas tão sujeitas a mudança
Nunca ponha ninguem sua esperança.

Para dar proveitosos desenganos
Dos enganos que são de Amor effeitos,
E dos dous sexos publicar, humanos,
A origem das mudanças de seus peitos;
Estas letras aqui por longos anos
Digão a corações a amar sujeitos
Em peito varonil, que de ventura,
Em peito feminil, que de natura...

Faltou-lhe aqui o alento, e ja cansado
Cahio ao pé da faia em qu’escrevia,
Não podendo seguir o começado,
Porque a alma ja do corpo lhe sahia.
Tres vezes, com accento mal formado,
Para exemplo futuro repetia:
Amantes, entendei que a mór belleza
Somente em ser mudavel tem firmeza.