Página:Obras completas de Luis de Camões III (1843).djvu/248

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A luz de tantos bellos apagar-se?
Vendo a purpurea rosa, a cecem pura
Em tão formosas faces descorar-se?
As tranças d’ouro vendo, espedaçadas,
Por debaixo dos pés andar pizadas?

Na fôrça desta furia accesa e brava
O Tyranno cruel a vista ergueo
Á virgem, qu’invencivel animava
As almas que juntára para o Ceo.
Assi ja envolta em sangue como andava,
Da sua formosura se venceo;
E com doces razões, que Amor ensina,
A vencê-la d’amor se determina.

Fingindo se arrepende do passado,
(E de fingi-lo se arrepende azinha)
Sua vida lhe offrece e seu Estado,
Sem ver qu’Estado e vida a perder vinha.
O seu amor lhe pede confiado;
O seu amor que dado a seu Deos tinha:
Pede-lhe o seu amor; antes não seu,
Porque ja dado o havia a quem lho deu.

Usa de mil lisonjas, mil enganos,
Por conseguir o seu desejo bruto.
A flor logra (dizia) de teus anos,
Colhe d’essa belleza o doce fruto:
Não dês materia nova a novos danos,
Não pagues verde á morte o seu tributo:
Olha que tens em mi (não são cautelas)
Outro Reino, outro esposo, outras donzelas.

Não faças mentirosa a natureza
Que dá d’amor em ti grande esperança.